A vigilância do empregador na privacidade do empregado

Entre tantos possíveis meios de invasão de privacidade na internet, inclui-se o empregador que monitora o e-mail de seus empregados, prática que vem sendo adotada sob o argumento de que o empregador tem o direito de velar pelo correto uso de seus recursos, prevenindo assim a divulgação de informações sigilosas, o uso excessivo do correio eletrônico para assuntos particulares, que podem sobrecarregar o sistema, coibir o recebimento ou envio de e-mails contendo arquivos executáveis ou vídeos que possam propiciar lentidão e paralisação do sistema ou disseminarem vírus.

Marcus Paredes considera que isto é ato criminoso, e como tal, não poderia ser realizado pelo empregador sem prévia autorização legal, pois está em jogo o sigilo da correspondência do empregado. Segundo Marcus Paredes (1), predomina na Justiça o entendimento contrário à monitoração dos e-mails do empregado. Prevalece o fundamento de que a segurança da empresa não é juridicamente mais relevante que a segurança e a privacidade do seu empregado.

Contudo, o mesmo Marcus Paredes defende que o e-mail fornecido pela empresa deve ser utilizado como um instrumento de trabalho e, como tal, deve servir aos interesses da empresa. Desta forma, admitir que o empregado possa fazer uso do e-mail empresarial, cuja utilização traz dispêndios à pessoa jurídica (conta telefônica, energia elétrica e provedor de acesso) para fins particulares, sob o manto da inviolabilidade da vida privada, é o mesmo que permitir a utilização de material de expediente no estrito interesse particular do empregado. Não parece válido, nestes casos, o argumento da inviolabilidade da correspondência, pois esta não pertence (ou não deveria pertencer) ao empregado. Por outro lado, entende-se não haver âmbito privado e íntimo no ambiente de trabalho, como é natural no espaço residencial do empregado.

O tema é polêmico. Nos Estados Unidos, a legislação protege a privacidade dos usuários da internet, mas as mensagens que circulam através das redes corporativas são consideradas como propriedade da empresa. A lei considera crime abrir uma carta do funcionário, mas ler suas mensagens de e-mail não.

Luiz Carlos Cancellier de Olivo relata alguns casos envolvendo a privacidade dos funcionários:

Por considerar que sua privacidade fora violada, um funcionário da Marinha norte-americana moveu um processo contra a própria Marinha e a América Online, pois a instituição na qual ele trabalhava obteve da provedora de internet a informação de que ele era gay. (…) A AOL (…) reconheceu que não deveria ter revelado informações sobre seu assinante (…) sem um mandado. (…) A provedora foi obrigada a pedir desculpas publicamente e o funcionário foi aposentado pela Marinha.

Dois casos ocorridos nos Estados Unidos demonstram a possibilidade de leitura de e-mails corporativos. Alaona Shoars, administradora do e-mail na Epson americana, foi demitida ao flagrar seu supervisor imprimindo todas as mensagens trocadas na rede da empresa. (…) Também em Los Angeles a lei decidiu a favor da Nissan Motor quando ela foi processada por dois funcionários cujas mensagens haviam sido violadas pelos chefes. Nenhum dos casos chegou a julgamento, pois as audiências preliminares decidiram que as empresas têm o direito de monitorar mensagens no seu sistema de computadores.(2)

Entre tantos casos de invasão de privacidade aqui apresentados, esta é a única modalidade que enseja discussão sobre a legalidade ou não do monitoramento de e-mail dos empregados pelo empregador.

No Brasil, no que se refere ao controle do empregador sobre a correspondência de e-mail do empregado, recente decisão da Justiça, ano passado, é favorável a esse controle. Matéria veiculada na imprensa no dia 16 de maio de 2005, informa que o TST reconheceu o direito do empregador de obter provas para justa causa com o rastreamento do e-mail de trabalho do empregado. O procedimento foi adotado pelo HSBC Seguros Brasil S.A depois de tomar conhecimento da utilização, por um funcionário de Brasília, do correio eletrônico corporativo para envio de fotos de mulheres nuas aos colegas. Em julgamento de um tema inédito no TST, a Primeira Turma decidiu, por unanimidade, que não houve violação à intimidade e à privacidade do empregado e que a prova assim obtida é legal.

Segundo o relator, ministro João Oreste Dalazen, o empregador pode exercer, ?de forma moderada, generalizada e impessoal?, o controle sobre as mensagens enviadas e recebidas pela caixa de e-mail por ele fornecida, estritamente com a finalidade de evitar abusos, na medida em que estes podem vir a causar prejuízos à empresa. Esse meio eletrônico fornecido pela empresa tem natureza jurídica equivalente a uma ferramenta de trabalho. Dessa forma, a não ser que o empregador consinta que haja outra utilização, destina-se ao uso estritamente profissional.

Um securitário, demitido em maio de 2000, obteve, em sentença, a anulação da justa causa porque, para a primeira instância, a inviolabilidade da correspondência tutelada pela Constituição seria absoluta. Entretanto, o TRT do Distrito Federal e Tocantins (10.ª Região) deu provimento ao recuso do HSBC Seguros e julgou lícita a prova obtida com a investigação feita no e-mail do empregado e no próprio provedor.

De acordo com o TRT, a empresa poderia rastrear todos os endereços eletrônicos, ?porque não haveria qualquer intimidade a ser preservada, posto que o e-mail não poderia ser utilizado para fins particulares?. O ministro Dalazen registrou o voto revisor do juiz Douglas Alencar Rodrigues, do Tribunal Regional, no qual ele observa que ?os postulados da lealdade e da boa-fé, informativos da teoria geral dos contratos, inibiriam qualquer raciocínio favorável à utilização dos equipamentos do empregador para fins moralmente censuráveis?, ainda que no contrato de trabalho houvesse omissão sobre restrições ao uso do e-mail.

O relator admitiu a ?utilização comedida? do correio eletrônico para fins particulares, desde que sejam observados a moral e os bons costumes.

Em Portugal, a Constituição de 1976 outorgou à matéria status de direito fundamental, reconhecendo, em seu art. 35, o direito de cada cidadão conhecer e retificar informações a seu respeito.

A lei trabalhista portuguesa também contempla a questão da confidencialidade da correspondência eletrônica no ambiente de trabalho:

Título II Contrato de trabalho

Capítulo I Disposições gerais

Secção II Sujeitos

Subsecção II Direitos de personalidade

Artigo 21 Confidencialidade de mensagens e de acesso a informação

1 – O trabalhador goza do direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal e acesso a informação de caráter não profissional que envie, receba ou consulte, nomeadamente através do correio eletrônico.

2 – O disposto no número anterior não prejudica o poder de o empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio eletrônico.

No Brasil, o tema não tem merecido a unanimidade dos juízes brasileiros. Assim, já houve pronunciamento contrário, por parte do TRT da 3.ª região, que decidiu que ?a inserção do empregado no seu ambiente de trabalho não lhe retira os direitos da personalidade, dos quais o direito à intimidade constitui uma espécie?.

Na verdade, inexistem elementos que possam caracterizar invasão de privacidade, na medida em que os endereços eletrônicos estejam atrelados ao domínio da pessoa jurídica, e como tais, sejam utilizados para fins exclusivamente voltados ao trabalho do funcionário, por força de um contrato de trabalho.

Grandes corporações já desenvolveram programas que fazem um prévio exame das mensagens enviadas aos seus funcionários. Este ponto poderia certamente ser objeto de discussão quanto a violação ou não de privacidade em um momento oportuno.

Notas

(1)    PAREDES, Marcus. Violação da privacidade na Internet. Revista de Direito Privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n.9. janeiro-março de 2002. p.198.

(2)    OLIVO, Luiz Carlos Cancellier de. Direito e internet – A regulamentação do ciberespaço. 2.ed. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999. p.31.

Guilherme Tomizawa (gtadvocacia@hotmail.com) é professor de Direito do Trabalho e Direito Empresarial pela FAPI – PR. Mestre em Direito Público pela UGF – RJ. Advogado. Bacharel em Administração e Direito pela UTP -PR. Especialista em Direito de Família pela PUCPR. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico.

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