O projeto orgânico do PT está indo de vento em popa. E que projeto é esse? Simples como um jogo de soma zero: o que um perde, o outro ganha. O que o PT adquirirá aos montes, será retirado dos outros partidos. Essa é a lógica que está presidindo a equação do projeto de dominação política engendrado pelo Partido dos Trabalhadores e com alcance que ultrapassa a linha tradicional dos horizontes de poder. Trata-se de uma engenharia que combina metas, objetivos, ações, recursos, sistemas, processos, parcerias e estratégias de ocupação de espaços, para citarmos apenas alguns fatores. O projeto está milimetricamente esboçado, avaliado, medido e projetado em etapas, tudo sob a supervisão severa e o sorriso matreiro de José Genoino, que expande a visibilidade no meio do tempo da articulação de bastidores.

Levantemos alguns véus dessa gigantesca tenda. Tudo parece se inspirar no ensinamento do velho Lao-Tsu, filósofo chinês do século V antes de Cristo: “Uma longa viagem de mil milhas inicia-se com o movimento de um pé”. Para chegar ao cume da montanha, o PT deu o primeiro passo há mais de três décadas. Cresceu vertical e horizontalmente, no meio das classes sociais e nas extremidades da geografia. Cristalizou um discurso: a ética. Endeusou um ícone: Lula. Construiu uma pirâmide de recursos com o dízimo dos quadros partidários nos espaços de poder. Uma pirâmide que vai crescendo, crescendo, até chegar à culminância dos milhões necessários para realizar a campanha de prefeitos mais recheada e pulverizada do País.

Fechando o pacotão, emerge fosforescente o sistema de parcerias. Qual o partido preferido para fazer o casamento eleitoral? Ora, o PMDB. Razão: o partido tem 1.200 prefeituras, enquanto o PT tem apenas 200. Trata-se de uma confederação de partidos regionais, dominados por grupos e famílias, ou seja, sem identidade doutrinária. Mais: como o PMDB está sedento de poder, corre mais solto para as fontes petistas. Meta da operação: pegar carona na estrutura capilar do PMDB e multiplicar por cinco o seu atual número de prefeitos. Foco da estratégia: capitais e cidades grandes e médias. Só para as capitais, o PT já dispõe de 18 pré-candidatos próprios. Vitrine principal: a capital de São Paulo, onde Marta Suplicy é candidata à reeleição, contando com o apoio já explicitado de Lula, muitos Céus (escolas multicoloridas e cheias de equipamentos de lazer na periferia) e propaganda a rodo. Horizontes vislumbrados: formação de uma ampla base para reeleição de Lula em 2.006.

Agora vem a parte organizativa. Um sistema de multimídia está sendo composto. Computadores, interligação com eleitores, discurso homogêneo, revide a ataques, defesa do governo, palavras-chave, idéias-síntese, mídia training para os candidatos menos fluentes e confusos, cartilhas, slogans, spots, enfim, o mais espalhafatoso aparato de marketing e comunicação está sendo arrumado para disparar fogo na mais arrematada e sofisticada campanha eleitoral já realizada no País. O PT mandará que os candidatos construam uma muralha de proteção ao governo Lula, evitando, a todo custo, a federalização das campanhas municipais. Nas principais vitrines, a partir de São Paulo e de outras capitais governadas pelo partido, como Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte, multiplicará os esforços. Afinal de contas, uma derrota de peso abalará o projeto de longo prazo.

O discurso será balizado pelas mensagens do ano em curso: crescimento econômico, geração de emprego, investimentos de infra-estrutura, inserção social, agora com programas integrados. Nenhuma acusação ficará sem resposta. O tom será afirmativo, com ênfase nas mudanças no País que o PT vai tentar esboçar para calibrar os programas eleitorais. A máquina do marketing está sendo azeitada com a coordenação de estrategistas centrais e marqueteiros periféricos, que apenas lubrificarão as campanhas de rádio e TV produzidas para receber as doses de óleo locais. A cor vermelha, slogans, símbolos, estrelas estilizadas enfeitarão as ruas e as telas de TV, sob aquela moldura sempre renovada de crianças, adolescentes, famílias no aconchego do lar, etnias (vai haver certamente um pretinho bonito de dentes brancos brilhando e uma criancinha japonesa com um largo sorriso), aplaudindo os passos avançados do Brasil na trilha da Soberania, da Cidadania e da Glória (tudo em letras maiúsculas).

Os exércitos da artilharia, comandados pelos candidatos e lideranças partidárias, estarão atirando nas frentes das trincheiras, abrindo feridas nos adversários, que serão condenados e caracterizados como símbolo de um passado retrógrado que se quer morto e enterrado. Os exércitos de retaguarda estarão em vigia nos espaços da administração pública, cavando interesses, abrindo buracos para fixação dos pilares do Edifício PT 2.020, estendendo cobertores para abrigar contingentes de cristãos novos e grupos recém ingressos nas asas da ética e do civismo. E assim, la nave va. É o PT aprontando mais uma fascinante viagem de feitio felliniano para mostrar momentos sublimes e personagens “ético-exóticos” na esteira do refrão “a vida imita a arte”.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político.

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