A viagem que um amigo me trouxe na bagagem

Todos querem um momento para descansar. Todos esperam um momento pra viajar. Férias são pra isso. São as férias que podem dar conta de todas essas tarefas, digamos, vitais aos seres humanos. Nós, da educação, aproveitamos estes momentos pra cumprir todas essas "tarefas" ausentes no decorrer do ano. Muitos educadores e educandos fazem promessas prévias a respeito deste período. Não faltam as já clássicas: irei ler aquele livro; colocarei minhas leituras em dia; farei aqueles projetos; concluirei aquele trabalho e organizarei aquelas coisas. Enfim, há mais tarefas e afazeres para o período de férias que pra todo o ano. Tem gente que planeja tanto o que vai fazer nas férias que esquece do mais importante: prazeirar-se.

É justamente isso que acabo de descobrir. Como muitos educadores, prometi quase tudo acima, mas uma surpresa me fez relembrar o quanto as férias escolares podem ser fascinantes: recebi as férias em minha casa. Já não tenho mais o sitio da vovó para ir passear. Já não possuo a turma do colégio pra fazer excursões. Passei da idade. Difícil é fazer grandes projetos de viagens sendo professor. Resta, entre outras coisas, deliciar-me com aquelas triviais, há tempos esquecidas. Sair à tarde para ir ao cinema; andar sem pressa pelos parques, parar na esquina pra tomar um sorvete e passar na casa dos amigos, aqueles que por acaso estão de férias, como eu.

Mas um amigo acaba de me presentear com as mais fantásticas atividades pra se fazer nas férias: contar e ouvir histórias. Confesso que há muito tempo eu esperava por isso. Penso que só um grande amigo pode proporcionar momentos impares como estes.

Cada minuto com meu amigo Luis Fernando (as férias que recebi em casa) tem sido uma longa viagem. Juntos temos viajado para lugares distantes. Revemos e nos encontramos com pessoas que profundamente marcaram nossas vidas. As histórias que contamos ou que juntos recordamos, nos dão uma dimensão do quão intensa é nossa amizade, razão maior de nossa alegria. Tudo o que revivemos agora ao nos encontrar depois de tanto tempo faz aclarar parte da história já quase substituída por outras. Não sou tão antigo pra ter velhas e esquecidas histórias, mas sou jovem o bastante pra tentar me livrar de um comportamento avassalador que permeou a minha geração. Sou de um tempo em que o legal, o bacana, era ser moderno, prafrentex, mora? Dessa forma, qualquer que fosse a coisa velha, não seria bem vista ou aceita pelos demais. A minha geração troca a roupa a cada seis meses porque assim são as tendências da moda; a minha geração troca de aparelhos celulares a cada novo modelo com recursos ultra, power; a minha geração troca de amigos a cada resistência interna da tribo urbana. Enfim, a minha geração é a geração que foi levada a crer que é melhor trocar o velho pelo novo para não morrer, e eu não quis e não quero crer nisso. Prefiro acreditar que é possível ter um monte de coisas ditas velhas, à minha frente, e usá-las pra construir uma verdadeira história de vida. Quero viver tentando edificar coisas que acredito.Quero olhar e visualizar aquilo que me mantém lá no alto. As lembranças trazidas por meu amigo, me fizeram viajar por fatos que eu jamais quero esquecer porque eles foram os responsáveis pela construção da pessoa que sou e do profissional que busco construir. Nada é capaz de substituir uma boa lembrança. Os fatos que no passado eu não tinha a menor noção de como se desencadeariam e para onde me levariam, são hoje vistos por mim de forma bela e compreensível. (Re)Aprendo com meu amigo que o mais importante é viver, de forma simples, os mais profundos momentos da vida. Ninguém jamais viverá aquilo que eu vivi. Ninguém jamais irá se emocionar com aquilo que eu me emocionei. Ninguém jamais irá sentir a dor que eu senti e ninguém jamais será tão especial como eu sou. Somos únicos. Somos não-clonáveis. Nossas histórias podem ser semelhantes aqui ou acolá na aparência. Mas nunca serão na intensidade das emoções. É hora de aproveitar o pequeno espaço das férias e resgatarmos a importância do bate-papo. Descarte o virtual. Prefira o outro. Prefira amigos. Prefira olhares. Prefira emoções.

Para se reviver grandes momentos, que segundo a psicologia social, funcionam como molas de impacto entre a estrutura e o sistema, é importante saber que boas histórias só podem ser contadas em grupos. Amigos de longas datas vivem juntos estes momentos, senão, estaremos sempre correndo o risco de não lembrar mais o nome de fulano, de não situar mais beltrano e de falhar aqui e ali. Depois de uma certa idade as histórias e as emoções precisam dos grupos, pois sozinhos eles inexistem ou existem em partes. E graças a Deus isso tem sido verdadeiro, porque é quase um forçar a barra para que estejamos mais próximos daqueles que amamos de verdade. Que os ventos do verão soprem a vinda de muitos outros amigos e que eles me tragam, como Luis Fernando, histórias de terras pelas quais já passei. Mas que o outono, o inverno e a primavera possam trazer mais outros tantos amigos com suas outras tantas histórias. Assim, terei a sensação de que vivemos eternamente em férias. Eternamente felizes e eternamente abastecidos.

Aprendo que pra viajar não é preciso dinheiro, passagem ou roteiro, mas é imprescindível olhos, ouvidos e amigos. Seja bem-vindo amigo Luis Fernando. Deixe sua bagagem aqui, sobre meu coração.

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