George W. Bush, complicado presidente dos Estados Unidos, o país mais poderoso do mundo, inicia hoje por São Paulo uma viagem à América Latina e já são previsíveis seus tropeços. O périplo tem como motivo principal atenuar o impacto do surgimento nesta parte das Américas, que os norte-americanos sempre julgaram ser um quintal seu, de lideranças de extrema esquerda, como a de Hugo Chávez, na Venezuela, e de Evo Morales, na Bolívia, além de outros governantes recém-eleitos, nem tão vermelhos, mas sem dúvida rosa-choque. Teme-se que a turnê torne a emenda pior que o soneto, pois o presidente dos EUA começa por fazer-se acompanhar de uns trezentos policiais norte-americanos que, auxiliados por milhares de seguranças brasileiros, evidenciam que tem fundado medo da aproximação com os que visita. Os protestos já começaram e se há de reconhecer que, se não se cuide, pode sofrer na própria pele agressões que não se peja em infringir em níveis mais graves a povos como o do Iraque, do Afeganistão e, no passado, a muitas ?banana republics? caribenhas e latino-americanas.
Aqui no Brasil nenhum político ou cidadão de bom senso aplaude entusiasticamente Chávez ou Morales, pois ambos percorrem caminhos ditatoriais e contrários aos nossos ideais e anseios democráticos, já para não falar em interesses políticos e econômicos nossos que prejudicam. No mais, temos as mesmas queixas e desconfianças dos demais latino-americanos para com o grande país do Norte e a mesma péssima impressão do seu atual governante, George W. Bush. Não obstante, aqui o papo é outro. Temos um interesse em comum, finalmente reconhecido pelo governo dos EUA, que é criar um mercado mundial de etanol. Bush acaba de reconhecer que o petróleo do mundo vai acabar e é preciso buscar, com urgência, fontes alternativas de energia.
O Brasil é o maior produtor mundial de álcool combustível de cana e ainda temos possibilidade de ampliar a indústria desse sucedâneo do petróleo com o uso de outros vegetais. Energia renovável que os EUA já produzem, porém ainda em pequena quantidade, de milho, principalmente, e sem a tecnologia que o Brasil há muito domina. Interessa a Bush dialogar com Lula sobre uma política comum de combustíveis alternativos. Os Estados Unidos são um promissor mercado e uma força capaz de levar o comércio do combustível renovável ao resto do mundo. Só que eles, que alardeiam desejar um comércio livre, taxam pesadamente o álcool brasileiro. Lula já deixou claro que discorda dessa tributação e que, com ela, não há possibilidade de um entendimento profícuo.
Assim, há na pauta da visita ao Brasil um assunto importante e palpável, além de algumas medidas de benemerência em busca de aplausos. Ajuda aos pobres, um navio-hospital, financiamento de casas às populações carentes, treinamento de professores em regiões necessitadas e microempréstimos estão entre as bondades que enchem as malas do presidente Bush.
Com o Brasil, ele pretende ser comedido na oferta dessa benemerência, que mais visa contrapor a ação norte-americana à política populista, principalmente de Hugo Chávez. Esquece-se que tanto aqui no Brasil, quanto nos demais países latino-americanos que visitará e, diga-se por ser verdade, até nos Estados Unidos, suas políticas não são bem vistas. E as esmolas, quanto maiores, mais farão com que o santo desconfie. A tendência da América Latina não será sentir-se agradada com tanta benemerência, mas até ofendida porque o que se pede é condições justas para produzir e negociar e respeito às nossas liberdades. Inclusive a de discordar, por vezes, do país mais poderoso do mundo.