A vez dos sindicatos

“Se a gente não acabar com ele, vamos ficar amarrados ao governo”, dizia do imposto sindical Lula, o metalúrgico, na sua primeira entrevista dada à televisão brasileira, em 17 de maio de 1978. Era um período de efervescência social em confronto aberto contra o mandonismo militar. Na mesma entrevista, que quase não foi ao ar, ele afirmava ter certeza de que jamais participaria da vida política, o que acabou não sendo verdade. Mas a questão do imposto sindical, não exatamente por vontade do governo, sobreviveu aos assaltos da Assembléia Nacional Constituinte e já demonstra resistência àquele que pode ser seu derradeiro confronto com as forças que o defendem, porque dele dependem, e que virá no bojo da reforma trabalhista engendrada pelo hoje presidente Lula, comandante maior da política nacional.

É da imaginação dos assessores que o político Lula escolheu a dedo para integrar o Fórum Nacional do Trabalho que está nascendo o novo modelo sindical, em parte imaginado um dia pelo ex-líder metalúrgico. Pode não ser o melhor, mas, seguindo a máxima do momento, será seguramente o possível. À frente de tudo, volta à cena o antigo imposto sindical que, modernamente, atende pelo nome de contribuição sindical, biombo para outra questão não menos importante – a unicidade sindical, que garante o território marcado pela prática de pelegos e carreiristas de profissão. A implosão da atual estrutura, calcada ainda na velha e fascista Carta del Lavoro de 60 anos atrás, mira sobre as duas presas que escondem nos cofres sem muita fiscalização de contribuintes e representados a bagatela anual calculada em três bilhões e meio de reais.

A proposta é acabar com a contribuição compulsória no espaço de três anos. Sairá do bolso do trabalhador normalmente, mas entrará cada vez em menor volume nos cofres dos sindicatos, federações, confederações e do próprio governo (que hoje abocanha ainda 20% de tudo) até zerar. Nesse meio-tempo formará, também de maneira progressiva, um fundo público destinado a financiar projetos de formação de uma nova geração de dirigentes sindicais, além de campanhas de sindicalização. No futuro, sindicato só poderia cobrar dos representados a taxa social (estabelecida pelos sócios em assembléia) e uma outra taxa chamada negocial, fixada também pela assembléia e vinculada aos resultados da negociação coletiva. Mas terão direito a representar a categoria em negociações coletivas apenas aquelas entidades sindicais que conseguirem amealhar na condição de sócios efetivos pelo menos 30% dos integrantes da categoria que representam.

A princípio, a proposta esboçada pode parecer um pouco confusa. Deveria partir, quando se fala em categoria representada, da manutenção do princípio da unicidade (isto é, representação única de uma determinada categoria dentro de uma também determinada base territorial) sindical. Isso desautoriza o modelo baseado na livre adesão, por razões políticas ou ideológicas. Temendo que a unicidade caia, já existem movimentos em organização em todo o território nacional.

Mas o problema maior a ser enfrentado pelos arquitetos do novo modelo sindical defendido por Lula estaria no lado patronal da questão. O chamado “Sistema S”, que reúne pelo menos oito instituições com cofres cheios (Senar, Senai, Sesi, Senac, Sesc, Sest, Senat e Sebrae) não vai capitular tão facilmente. Por lei, tais entidades são controladas apenas por seus associados e, em casos mais graves, pelo Tribunal de Contas da União, atendendo a poderosas lideranças confortavelmente instaladas nas respectivas confederações nacionais. O presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Antônio Ernesto de Salvo, por exemplo, já abriu a lista dos que sairão a campo para defender a atual situação. “Vamos trocar algo que não funciona muito bem pelo caos”, adverte ele, profeticamente.

O assunto é complexo e interessa diretamente a patrões e empregados que, como o Lula sindicalista um dia afirmou, continuam detestando a mão pesada do governo. Melhor seria, portanto, que o Lula presidente deixasse os sindicatos se organizarem da melhor forma que entendessem.

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