“O sistema da convicção íntima, repelido por Santo Tomás de Aquino, ficou positivamente proscrito pelas Ordenações do Reino, Liv. I, III, Tit. 66: todo julgador dê as sentenças segundo o que achar alegado e provado de uma parte e de outra, ainda que lhe a consciência dicte outra coisa e ele saiba a verdade ser em contrário do que no feito for provado…” (João Monteiro, in Enc. Saraiva do Direito, vol. 77, pg. 90).
Nilton Ribeiro de Souza, advogado, ex-presidente da Associação Paranaense dos Advogados Criminalistas, atuando na defesa criminal no caso que ficou conhecido nacionalmente como “o crime do morro do boi”, tendo como cenário o litoral do Paraná, oferta paradigmático desafio para a comunidade jurídica brasileira.
Uma pessoa é presa como autora de lamentáveis fatos e nega veementemente. Um dos mais experientes delegados de polícia do Estado do Paraná, doutor Luiz Alberto Cartaxo Moura, ao concluir o inquérito que presidiu, afirmou publicamente sua inabalável convicção a respeito da autoria.
Cinco meses após o crime e 133 dias de aprisionamento do acusado, tanto a Polícia Civil, o MP e o Judiciário foram obrigados a lançar novos olhares sobre o processo, pois outra pessoa flagrada (por atos semelhantes) confessou a autoria do caso “morro do boi”.
Na primeira acusação há negativa de autoria e apenas reconhecimento pela vítima. Na nova hipótese, há confissão, semelhanças de traços fisionômicos, evidências como a arma do confitente e detalhes outros.
Ainda como complicador, a vítima sobrevivente se adiantou em declarar publicamente que mantém o reconhecimento do primeiro e que “não acredita na reviravolta do caso…”
Só com a tramitação do processo, ultimação de novas investigações e sentença definitiva é que se poderá aquilatar onde está a verdade possível. O maior desafio do direito processual penal está ante a negativa de autoria.
Esta, conjugada com o princípio constitucional da presunção de inocência, impõe aos aplicadores do direito cautela máxima no exame do quadro probatório remanescente dos debates.
Emergindo a menor incerteza, deve militar, como cautela, em favor do acusado o “benefício da dúvida”. Os subscritores das “páginas negras” da história judiciária universal passaram a ilharga desses princípios.
O inquérito policial e o subsequente processo criminal contraditório, com amplitude de defesa, são as formas que encontramos de buscar a verdade. A segurança dos resultados advirá da observância da principiologia solidificada nas normas legais.
As verdades poderão ser estabelecidas, ou não, nos processos judiciais. Essas buscas devem ser atos de ciência e de consciência, facilmente demonstráveis, para a garantia das pessoas de bem, salvaguardando-as de possíveis erros ou excessos judiciários.
Sentenças judiciais exprimem o grau de evolução de um povo. Juízes ou tribunais ao proferi-las, devem ter em mente que estão emitindo cartas, em nome de todos, para dois destinatários: o acusado e a humanidade.
A preocupação maior, nessas construções tribunícias, deve ser sempre no sentido de demonstrar que, cientificamente, outro não poderia ser o pronunciamento. Como que pretendendo, utopicamente, convencer o próprio acusado do acerto sentencial.
Independentemente do desfecho do caso focado, quero parabenizar o advogado Nilton Ribeiro de Souza pela exemplar atuação. O papel da defesa é questionar tudo e desafiar a acusação. Somente desse embate poderá emergir uma decisão justa. A verdade é objeto da filosofia e não da defesa!
Elias Mattar Assad é ex-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. eliasmattarassad@yahoo.com.br
