O movimento sindical dos trabalhadores enfrenta o primeiro grande desafio político pós-eleições presidenciais: a unidade. No processo eleitoral, embora a grande maioria dos dirigentes sindicais tivesse optado pelo apoio a Lula, segmentos significativos participaram das campanhas dos demais candidatos, em particular em favor de Ciro Gomes, tendo em vista a candidatura do presidente da Força Sindical Paulo Pereira da Silva a vice-presidente. No segundo turno, a quase totalidade definiu-se pela candidatura do PT. Agora, no terceiro e decisivo turno político a se iniciar oficialmente a 1.º de janeiro, esses mesmos dirigentes deverão se posicionar diante do novo governo.
O presidente eleito tomou a iniciativa ao convocar os principais pesos-pesados das seis centrais sindicais e das inúmeras confederações e federações para um primeiro entendimento. Embora o encontro de São Paulo não objetivasse encaminhamentos concretos, mas apenas posicionamentos sobre algumas questões básicas para os trabalhadores e para o novo governo, foi possível estabelecer-se um patamar que sustente a relação governo-movimento sindical e a partir do qual essa relação possa se desenvolver. Este o principal mérito dos debates, não sem antes frisar o ineditismo da iniciativa de Lula ao chamar, mesmo antes de sua posse, o mais organizado movimento social do País para o olho-no-olho indispensável para quem pretende costurar um pacto nacional com vistas a um novo contrato social.
Para a construção da unidade do movimento sindical o novo governo, em especial Lula, e o novo Parlamento, em especial os senadores Mercadante e Paulo Paim, terão papel decisivo, embora haja consciência das destinações diversas que cada campo mantém em suas atuações políticas. Por um lado, o governo e sua base de sustentação parlamentar tentarão implementar medidas que consideram as mais ajustáveis ao atual momento econômico e social, por outro lado é inerente ao movimento sindical a defesa de legítimas reivindicações para a melhoria das condições de vida, de trabalho e de salário para o conjunto da classe trabalhadora. Esse papel de partícipe na construção da unidade do movimento sindical foi desempenhado por Lula quando, em seu discurso diante dos seiscentos sindicalistas presentes no encontro de São Paulo, afirmou: “Vocês precisam se dedicar primeiro ao que há de comum entre vocês, para depois discutirem o que há de divergência. Só assim, o movimento sindical vai mostrar para o Brasil sua coesão”. Já o futuro senador Aloízio Mercadante enfatizou: “A unidade sindical é importante para que se busquem as convergências nas principais reformas que o País pretende adotar e que serão objeto de discussão no Congresso Nacional a partir do ano que vem”.
Do ponto de vista prático, a linha condutora dessa unidade no movimento sindical e do fortalecimento da relação com governo e Parlamento é a efetiva participação nas propostas de reforma tributária e previdenciária, em primeiro lugar, colocando em segundo plano questões menores ligadas à reforma da estrutura sindical, inclusive a extinção da contribuição sindical compulsória de um dia de salário por ano. Ou seja, tentar estabelecer pontos comuns para as reformas necessárias e analisar com mais tempo as divergências sobre pontos não essenciais. Portanto, o que é principal primeiro, para depois enfrentar o que não é vital para o País. Para que isso se possa viabilizar, desde já os sindicalistas ajustaram a formatação de três grandes grupos para analisar essas questões: um sobre previdência social e tributação, outro sobre geração de emprego e renda e o terceiro sobre reforma sindical e trabalhista. Em dezembro o debate deve ser iniciado.
No sindicalismo mais recente, a partir do início da década de oitenta, com a formação da CUT em 1983, não há tradição de unidade. Pelo contrário, têm prevalecido as divergências e antagonismos que, na prática, levaram ao fracionamento orgânico do movimento, com a criação de seis centrais sindicais, desmembramento de confederações e federações, criação de entidades paralelas, fundação de inúmeros sindicatos seccionando os já existentes, disputas nas bases nos processos eleitorais. A superação desse quadro de diferenças profundas é tarefa árdua e dependerá da habilidade dos interlocutores. Lula e os condutores da campanha eleitoral conseguiram alianças com o empresariado – eis que o vice-presidente é um dos maiores empresários industriais, senador José Alencar – e com forças políticas anteriormente antagônicas ao PT. A capacidade de construir uma sólida engenharia política servirá de experiência para a tarefa agora muito mais difícil, pois muito mais complexa em uma sociedade que exigirá mudanças, evidentemente para melhor.
Edésio Passos é advogado, ex-deputado federal (PT/PR), membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e um dos fundadores da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat). E-mail: edesiopassos@terra.com.br