A participação de cada país na Alca (Área de Livre Comércio das Américas) deverá ser votada pelos respectivos parlamentos até meados de 2005, considerando que, em 1.º de janeiro do ano seguinte, está prevista a liberação das primeiras barreiras alfandegárias. O acordo deverá atingir o auge em 2015, quando 85% dos bens comercializados no bloco não terão quaisquer restrições. A despeito do calendário, o Brasil começa de forma mais efetiva a fazer sua lição de casa, elaborando, no âmbito de cada setor de atividades, as listas de produtos que deverão ficar isentos, parcialmente isentos ou permanecer taxados de impostos de exportação/importação. Esse trabalho é de imensa importância, pois será a base para as negociações, que incluem, ainda, salvaguardas econômicas e barreiras não-alfandegárias e fitossanitárias.
Implantar um bloco econômico é tarefa árdua, em especial numa conjuntura internacional recessiva, em que a defesa de cada economia torna-se mais inflexível por parte de seus governantes e empresários. A população de cada país também externa seu ceticismo, como ocorreu aqui, no recente plebiscito da CNBB, e conforme se pode aludir na análise do resultado das eleições parlamentares norte-americanas, que foram um claro referendo às políticas, inclusive externa, do atual governo republicano. Definitivamente, as negociações relativas à Alca serão muito complexas e sensíveis. No plano lógico e racional, não se deve cogitar uma eventual ausência brasileira no bloco, pois o hermetismo no plano continental seria um golpe econômico duríssimo. Ou seja, teremos de encarar o desafio.
Assim, o Brasil precisa ter bons trunfos para levar à mesa de negociação. Nesse contexto, um aspecto importante é o relacionamento econômico bilateral com a União Européia. A Alca será constituída por 34 países (apenas Cuba, em toda a América, não participa), com 740 milhões de habitantes e PIB de aproximadamente US$ 14,5 trilhões. A União Européia tem PIB superior a US$ 8 trilhões e população de 400 milhões de pessoas. Ou seja, o intercâmbio econômico com esse imenso mercado europeu representa cacife significativo para qualquer um dos signatários da Alca.
Nesse aspecto, dois estudos que acabam de ser divulgados apontam interessante tendência de maior número de negócios entre a Europa e o Brasil. O primeiro é o Relatório da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), que acaba de ser divulgado. Essa pesquisa demonstra que, a despeito da queda global no primeiro semestre de 2002, como ocorre em todo o mundo, alguns países importantes da Europa aumentaram, em relação a igual período de 2001, o volume de investimentos anunciados para o Estado de São Paulo: Alemanha (US$ 59 milhões no primeiro semestre de 2001 e US$ 82 milhões, em 2002); Suíça (US$ 4,7 milhões contra US$ 69,9 milhões); França (US$ 120 milhões contra US$ 174 milhões), e Bélgica (zero/US$ 230 milhões). É curioso notar que, dentre as nações de maior peso no contexto da economia internacional, foram as européias que ampliaram o anúncio de investimentos em São Paulo. Positiva exceção foi a China, que havia anunciado investimentos de US$ 39,8 milhões no primeiro semestre de 2001, passando para US$ 166,1 milhões, em igual período de 2002.
O segundo estudo é o “Monitor de Cidades Européias”, realizado anualmente pela Cushman & Wakefield, multinacional da área imobiliária, que revela: São Paulo é a segunda, dentre todas as cidades do mundo fora da Europa, nos planos de expansão e investimentos de 506 empresas do Velho Continente. Atrás apenas de Xangai, mas à frente de metrópoles como Nova York, Chicago, Tóquio, Miami, Los Angeles e Sydney, São Paulo resiste bem à turbulência da economia mundial e nacional. Nesse sentido, há congruência com o ocorrido no ano passado, quando, num cenário de retração internacional, os investimentos privados totais anunciados no Estado de São Paulo, incluindo os estrangeiros, mantiveram-se no mesmo patamar de 2000 (cerca de US$ 23 bilhões – Fundação Seade). No mesmo exercício, vale lembrar, o volume de investimentos estrangeiros diretos na União Européia caiu 60% e nos Estados Unidos, 59% (dados do Banco Mundial).
O Estado, que representa cerca de 36% do PIB nacional, tem, além da Região Metropolitana, 40 municípios com mais de 100 mil habitantes. O interior paulista responde por cerca de 17% do PIB brasileiro e 24% da produção industrial. Considerando-se a avançada infra-estrutura rodoviária, a Hidrovia do Tietê-Paraná, os investimentos no transporte ferroviário de carga, os aeroportos e modernização do Porto de Santos, São Paulo apresenta boas condições para receber investimentos produtivos. De 1996 a junho de 2002, totalizou-se o anúncio de investimentos de US$ 145 bilhões no Estado, distribuídos em 5.813 empreendimentos. A presença dos europeus nesse aporte de capital é expressiva.
A contrapartida do aumento do comércio com a Europa, além de seu significado intrínseco, deverá contribuir para que o Brasil tenha condições mais adequadas de negociação no contexto da Alca. Trunfos à parte, para inserir-se com vantagens competitivas no bloco americano e conquistar mercados em todo o mundo globalizado, o País precisa dar continuidade à sua política de modernização do parque produtivo, aporte tecnológico, apoio à pesquisa e constante melhoria da infra-estrutura de transportes, telecomunicações e energia. Felizmente, muitos passos foram dados nessa direção, mas ainda há muito o que avançar, pois as transformações da economia internacional são rápidas e implacáveis.
Ruy Martins Altenfelder Silva, advogado, é secretário de Estado da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo de SP. Também é presidente do Instituto Roberto Simonsen.