Após estudo do artigo 5.º da Constituição Federal Brasileira em seus incisos II, III, XXII e XLI, do artigo 1579 do Código Civil, bem como do artigo 27 da Lei do Divórcio e dos artigos 3.º, 5.º , 15 e 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA e, após relacioná-los com a dissolução da sociedade conjugal e interpretá-los sob um enfoque diferente do tradicional, ressaltando a problemática referente à vida dos filhos, sem contudo banalizá-los, chegou-se ao que se vai explanar neste artigo.

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É possível identificar que houve muitas tentativas de nosso ordenamento de se garantir a qualidade de vida dos filhos com a dissolução do casamento. Porém, devido ao complexo conjunto de questões que são conseqüência de uma separação é muito difícil abranger a todas elas de forma satisfatória. Sabe-se ainda que algumas questões são irresolutas. Contudo, os estudos devem ser contínuos no sentido de que sejam defendidos os direitos fundamentais dos filhos de pais separados.

O direito à vida dos filhos de pais separados está sendo violado. Isso ocorre quando estes são forçados a um novo nível socio-cultural de vida, haja vista a mudança para pior, na maioria dos casos, na qualidade de vida dos filhos após o evento da separação. Este direito a uma vida que seja pelo menos igual à que se apresentava anteriormente não está sendo observado.

O direito à liberdade, por outro lado, com o significado de possibilitar que as pessoas decidam os rumos de sua própria vida, dentro de normas sociais e legais, não é muito respeitado quando da separação do casal. Observam-se filhos que muitas vezes ficam à mercê das vontades de seus pais que os levam e trazem em suas visitas para ambientes diferenciados, com pessoas que lhe são estranhas e, algumas vezes, com novos tios e irmãos que apareceram em suas vidas de repente.

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Com relação à inviolabilidade do direito à segurança, deduz-se que os filhos não poderão ser autoconfiantes ao vivenciarem alterações que afetam seu bem-estar no ambiente familiar, muito menos se ocorrerem divergências quanto à guarda dos filhos, ou numa separação litigiosa, que pode se prolongar no tempo.

O direito à propriedade é o que mais afeta o nível de vida dos filhos de casais separados, em regra. De forma geral isso ocorre numa separação quando é realizada a venda da residência da família para se dividir o valor obtido entre os ex-cônjuges. Ou, em caso de a residência ficar com quem permaneceu com os filhos, este não consegue proventos suficientes para sua manutenção, vendendo a propriedade para adquirir uma menor ou mais simples.

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De outra banda, delinea-se que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, a não ser que seja filho de pais separados. Neste caso estes muitas vezes são obrigados a deixar de conviver ou com seu pai ou com sua mãe, a morar com esta ou aquela pessoa, a se mudarem de domicílio, de escola, de cidade. Muitos se vêem na obrigação de se sustentarem ou ajudarem no sustento da nova família (mãe ou pai e irmãos) logo cedo.

Afere-se, também, que o importantíssimo e moderno direito fundamental que dispõe que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante acaba não sendo aplicado à vida da maioria dos filhos cujos pais optaram por dissolver a união conjugal. Estes filhos, na maior parte das vezes, sofrem verdadeiras torturas psicológicas, vivenciando angústias que não desejariam e tornando-se seres aflitos quando da separação de seus pais.

Por outro lado, ao se considerar o momento da separação de um casal e o que os pesquisadores da área da Psicologia apontam como atitudes desejáveis no relacionamento destes com os filhos, não foram visualizadas as atitudes positivas referendadas pelos estudiosos nos casais que se separam.

Ao serem comparadas as afirmativas dos estudiosos da área da Psicologia com uma pesquisa de campo realizada junto aos pais separados e aos filhos, algumas divergências foram identificadas.

Constatou-se que muitos pais não se dão conta de que, ao tomar algumas atitudes no momento da separação, estão desrespeitando princípios básicos fundamentais aos quais faz jus toda pessoa humana, incluindo seus filhos. Isso ocorre quando os filhos presenciam brigas dos casais, o que poderá afetar seu desenvolvimento como indivíduo, quando os casais não informam em conjunto aos filhos sobre a separação e falam mal do outro na frente dos filhos, quando não informam os ambientes de atividades dos filhos sobre a separação para que possa haver uma maior compreensão sobre suas atitudes e reações naqueles locais, utilizam os filhos como mensageiros de recados, não deixaram claro sobre a isenção de culpa dos filhos na separação e não respeitaram a vontade sobre com quem morar quando este fato foi levantado.

Por outro lado, apesar de alguns psicólogos afirmarem que existem diversos fatores positivos na separação, como por exemplo, o amadurecimento precoce dos filhos, na pesquisa de campo realizada observou-se que a maioria dos filhos de casais separados afirmaram que souberam administrar bem o impacto da separação dos pais na sua vida. A grande maioria alegou que preferiria ter continuado com questões mais simples na vida, afirmando não terem gostado de conviver mais cedo com assuntos e problemas de adultos. Ainda, para a maior parte dos entrevistados, o convívio com um dos pais diminuiu significativamente após a separação.

Dessa forma, com base na análise dos direitos fundamentais relacionando-os à questão da dissolução da sociedade conjugal, nas conclusões de pesquisadores da área de Psicologia, na pesquisa de campo realizada juntos aos pais separados e aos filhos de casais separados, pode-se apontar a responsabilização do Estado como uma possível solução para a minimização do problema relativo ao respeito dos direitos fundamentais dos filhos de casais separados. Esta responsabilização proposta seria na forma de capacitação dos interessados em efetuar uma união conjugal.

Entende-se que, assim como o Estado, através da Lei do Divórcio, garantiu a todos o direito à dissolução do vínculo matrimonial, ficando os divorciados livres para contraírem novas núpcias, deverá o Estado igualmente se responsabilizar em tutelar as conseqüências advindas de tal lei. Esta afirmativa está calcada no estudo das intervenções realizadas pelo Estado em outras situações que, pela sua importância ao bem-estar da sociedade, chamou a si a responsabilidade de discipliná-las. Cite-se como exemplo a Lei de Trânsito, as Leis relativas ao Meio Ambiente, o Código de Defesa do Consumidor, entre tantas outras.

Dessa forma, sendo o Estado o responsável pela possibilidade da separação e nova união, deverá proporcionar aos envolvidos nesta relação condições para que administrem a contento tanto o momento da crise, como momentos subseqüentes a ela.

O que se propõe é que o Estado, arcando com sua responsabilidade perante a sociedade, ofereça um Programa de Educação para o Casamento. Este programa, que poderia seguir a linha daquela capacitação exigida para a obtenção da carteira de habilitação para a direção no trânsito, viria a fazer parte do rol de exigências para que o casal contraia matrimônio. Da mesma forma que se exige daquele que pretende se habilitar como motorista de trânsito noções básicas de primeiros socorros, legislação, direção defensiva, o pretendente ao casamento deverá realizar, segundo esta proposta, um curso cujo conteúdo pode ser formado por noções básicas de legislação e noções básicas de psicologia infantil e familiar.

Dentro do conteúdo legal podem ser estudadas as questões relativas aos direitos e as obrigações dos pais e dos filhos em caso de separação; tipos de guarda dos filhos, entre outros.

No que diz respeito à psicologia, poderia ser enfocado tema relacionado à influência de traumas e estresse no desenvolvimento da personalidade das crianças e adolescentes, estudo de atitudes saudáveis no momento da separação, estudo de atitudes saudáveis no caso de nova união, dentre outros tópicos.

É claro que os profissionais das áreas referidas terão maiores condições de desenvolver um programa de habilitação para o casamento.

Espera-se que, com a possibilidade da implementação da solução apontada possa haver uma minimização do problema equacionado e a efetiva defesa da garantia dos direitos fundamentais dos filhos de pais separados, fazendo do Brasil pioneiro nesta trilha, preparando os casais para uma postura digna perante seus filhos no caso de uma separação e uma nova união.

Cristina Faria Fidelis Gonçalves é doutora em Engenharia de Produção, mestre em Estatística, especialista em Ciência da Computação e formanda em Direito em Londrina. Professora de Estatística da Universidade Estadual de Londrina.