Uma vez que o Mercosul implica na livre circulação de mercadorias e capitais entre pessoas físicas e/ou jurídicas nacionais dos países-membros, tem-se por evidente a necessidade de normas relativas às relações de consumo.

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Cabe consignar, ab initio, que todos os países membros do Mercosul já dispõem de legislação específica para a defesa do consumidor. O Brasil foi o primeiro dos seus co-irmãos mercosulistas a elaborar o seu Código de Defesa do Consumidor, em vigor desde 1991 (Lei n.º 8.078/90). A Argentina regula a matéria pela Lei 24.240/93, o Paraguai pela Lei 1.334/98 e, o Uruguai, desde o ano 2000, pela Lei 17.250.

Até por isso, a partir do Protocolo de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994, esse tema ocupa espaço nas discussões sub-regionais. Aliás, ante essa mesma constatação, em julho de 1994 já havia sido criada a Comissão de Comércio de Mercosul – CCM, sendo a matéria mais tarde ampliada com o Protocolo de Santa Maria, assinado em 22 de novembro de 1996, com a finalidade de estabelecer a jurisdição internacional em questões de relações de consumo derivadas de contratos em que um dos contratantes seja um consumidor.

Vale assinalar que a Comissão de Comércio tem competência de velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordada pelos Estados Partes. Também é sua atribuição dar seguimento e revisão aos temas relacionados com as políticas comerciais comuns dos parceiros da integração e também com terceiros (países extra-bloco).

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Pela Diretriz n.º 1/95 (de 15.11.1995), a CCM criou o Comitê Técnico n.º 7, de Defesa do Consumidor, cuja tarefa é harmonizar as legislações nacionais dos Estados-membros do Mercosul e estabelecer tratados com standards mínimos de legislação consumerista. Nele, o Brasil é representado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça.

Não é despiciendo assentar que, anteriormente, a Resolução n.º 126/94, do Grupo do Mercado Comum – GMC, no seu art. 1.º, optara por “instruir a Comissão de Defesa do Consumidor [do Subgrupo de Trabalho n.º 10] a prosseguir em seus trabalhos destinados à elaboração de um regulamento comum para a defesa do consumidor no Mercosul e apresentar um projeto de regulamento ao GMC, em sua XVIII reunião ordinária, em meados do ano de 1995”.

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Posteriormente, a Resolução GMC n.º 123/96 aprovou os conceitos das relações de consumo, bem como a Resolução n.º 124/96 preocupou-se com a proteção do consumidor em relação à publicidade enganosa.

Nessa esteira, a Resolução GMC n.º 125/96 debruçou-se sobre a Proteção à Saúde e Segurança do Consumidor. Dentre outros pontos, nela se consignava que são “direitos básicos do consumidor” os seguintes:

I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e o tratamento igualitário nas contratações;

III – a informação suficiente e veraz sobre os distintos produtos e serviços;

IV – a proteção contra a publicidade enganosa, métodos comerciais coercitivos ou desleais, no fornecimento de produtos e serviços, conforme os conceitos que se estabeleçam nos capítulos correspondentes do Regulamento Comum sobre Defesa do Consumidor;

V – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, relativos a direitos individuais e coletivos ou a interesses difusos;

VI – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, relativos aos direitos individuais e coletivos ou aos interesses difusos, mediante procedimentos ágeis e eficazes, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VII – a associação em organizações cujo objetivo específico seja a defesa do consumidor e a ser representado por elas;

VIII – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral, por fornecedores públicos ou privados.

Por meio da Resolução GMC n.º 126, assinada em Fortaleza, em 13 de dezembro de 1996, conceituou-se e proibiu-se a publicidade enganosa, com a observação de que a matéria somente seria entronizada nos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros após o advento de futuro regulamento comum. Esse mesmo tema foi posteriormente retomado no âmbito da Resolução n.º 45, de 24/11/2006, por entender-se necessário avançar no processo de harmonização a respeito. 

Nova resolução do GMC, de n.º 127/96, preocupou-se em estabelecer as garantias contratuais nas relações do Mercosul, embora depois substituída pela Resolução 42/98, mas mantendo inalterado o seu conteúdo. 

Em 15 de dezembro de 2000 foi assinada a “Declaração Presidencial dos Direitos Fundamentais dos Consumidores do Mercosul”, estatuindo regras programáticas da mais alta relevância, que aqui se transcreve: 

a) à proteção eficaz da vida, da saúde e da segurança do consumidor e do meio ambiente contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços;

b) ao equilíbrio nas relações de consumo, assegurado o respeito aos valores de dignidade e lealdade, com fundamento na boa fé, conforme a legislação vigente em cada Estado Parte;

c) ao fornecimento de serviços – tanto públicos como privados – e produtos em condições adequadas e seguras;

d) de acesso ao consumo com liberdade de escolha, sem discriminações e arbitrariedades;

e) à efetiva prevenção e reparação por danos patrimoniais e extra-patrimoniais causados ao consumidor e à sanção dos responsáveis;

f) à educação para o consumo e ao fomento no Mercosul do desenvolvimento de entidades que tenham por objetivo a defesa do consumidor;

g) à informação suficiente, clara e veraz;

h) à proteção contra a publicidade não permitida, conforme a legislação vigente em cada Estado Parte, de produtos e serviços;

i) à proteção contra práticas abusivas e métodos coercitivos ou desleais;

j) à proteção contra cláusulas contratuais abusivas, conforme a legislação vigente em cada Estado Parte;

k) à facilitação do acesso aos órgãos judiciais e administrativos e a meios alternativos de solução de conflitos, mediante procedimentos ágeis e eficazes, para a proteção dos interesses individuais e difusos dos consumidores.

Afora tais resoluções e documento declaratório, existem algumas medidas de caráter setorial, como o Regulamento Técnico Mercosul sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados (Resolução 46/03), Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados (Resolução 31/06), Regulamento Técnico Mercosul Para Determinação do Peso Líquido em Pescados, Moluscos e Crustáceos Glaciados (Resolução 08/02), Resolução sobre Segurança de Brinquedos (Resolução 54/92), o Decreto 13/97, sobre a prestação de serviços dentre outros tantos.

O que chama a atenção, no entanto, é a consciência de que a integração exige a definição de padrões mais abrangentes, de que é exemplo a medida preconizada no Art. 3.º, da Resolução n.º 125/96, ao dispor que “esta Resolução somente será incorporada aos ordenamentos jurídicos nacionais e entrará em vigor após a conclusão do Regulamento Comum sobre Defesa do Consumidor e de seu respectivo Glossário.”

Nessa linha, a Resolução nº 126/96, em seu art. 2.º, prescreve que “até que seja aprovado um regulamento comum para a defesa do consumidor no Mercosul cada Estado Parte aplicará a sua legislação de defesa do consumidor e os regulamentos técnicos pertinentes aos produtos e serviços comercializados em seu território. Em nenhum caso, essas legislações e regulamentos técnicos poderão resultar na imposição de exigências aos produtos e serviços oriundos dos demais Estados Partes superiores àquelas vigentes para os produtos e serviços nacionais ou oriundos de terceiros países.”

Por isso mesmo, vale enfatizar, os esforços convergiram à elaboração de um projeto de Código comum, proposto naquela mencionada Resolução n.º 126/94, que, no entanto, restou rejeitado em 1997 em razão do seu caráter restritivo. Ainda no contexto das macro-idéias encontra-se a Decisão n.º 10/96, pela qual o Conselho do Mercado Comum – CMC aprovou o Protocolo de Santa Maria sobre jurisdição internacional em matéria de relações de consumo, já explicitado. Cabe lembrar, ainda, que o Comitê Técnico n.º 7, de Defesa do Consumidor, continua desde então mantendo permanente discussão sobre o tema.

Aliás, em 3 de junho de 2004, fruto do trabalho deste Comitê, restou assinado pelos parceiros mercosulistas o Acordo Interinstitucional de Entendimento entre os Órgãos de Defesa do Consumidor dos Estados Partes do Mercosul para a Defesa do Consumidor Visitante, que permite a brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios ser atendidos por órgãos de defesa do consumidor em qualquer um dos países do Mercosul quando estiverem em trânsito. O acordo tem por finalidade garantir a efetiva proteção dos consumidores da sub-região, que se encontrem transitoriamente em outro país do bloco, beneficiando, principalmente, os turistas.

Nesse diapasão, importa também anotar que em agosto de 2009, o referido Comitê de Defesa do Consumidor aprovou a Declaração de Salvador, na qual estão reconhecidos, dentre outros, os seguintes direitos dos consumidores em relação à concessão de crédito: o de arrepender-se e de desvincular-se do contrato livre de qualquer ônus; o de renegociar as parcelas mensais para preservar o necessário à sua subsistência; e o de ser protegido contra a concessão irresponsável de crédito.

Vale lembrar, ainda, inclusive pela atualidade do assunto, a Resolução GMC n° 21, de 8/10/2004, destinada especificamente à proteção do consumidor no âmbito da internet, objetivando garantir aos consumidores “o direito à informação clara, precisa, suficiente e de fácil acesso sobre o fornecedor do produto ou serviço; sobre o produto ou serviço ofertado; e a respeito das transações eletrônicas realizadas”.

O tema, porém, continua aquém da dimensão já alcançada pelo bloco, do que é reflexo a vulnerabilidade do consumidor diante da diversidade legislativa reinante. Parece evidente que enquanto não sobrevier um regulamento comum para a defesa do consumidor no Mercosul, a legislação interna será aquela aplicável aos casos concretos verificados no âmbito de cada território pátrio, não se admitindo que as imposições domésticas vinculem os produtos e serviços dos demais Estados-membros.

E, naturalmente, a guisa de conclusão, cabe ressaltar que, se a proposta do Mercosul é ser, de fato, um bloco econômico com características de mercado comum – conforme avençado no art. 1º do Tratado de Assunção -, faz-se mister a urgente a adoção de critérios unitários para proteção dos consumidores. Neste particular, aliás, o passo inicial deveria se dar com a harmonização das legislações próprias existentes nos países-membros do Mercosul, algo reivindicado pelos especialistas desde 1994, mas sempre adiado pelas assimetrias do modelo e os desacertos políticos intergovernamentais.

Wagner Rocha D´Angelis é professor universitário (UTP e FDB), mestre e doutor em Direito, especializado em Direito Internacional e Direito da Integração, presidente da Associação de Juristas pela Integração da América Latina – AJIAL, e autor do livro “Mercosul: da intergovernabilidade à supranacionalidade? (Curitiba: Juruá, 2009 – 1.ª ed, 3.ª reimp).