A velocidade com que as relações humanas vêm ocorrendo, tem demonstrado a ineficiência do procedimento ordinário como remédio apto a solucionar os conflitos de interesses daí decorrentes e assegurar o cumprimento do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, `munus’ este assumido pelo Estado quando proibiu a autotutela privada.(1)
A existência do perigo e a perspectiva de demora na prestação da tutela cognitiva criou a necessidade, cada vez maior, de se invocar as chamadas medidas de urgência.
Após a entrada em vigor da Lei n.º 8.952/94, que trouxe nova redação ao artigo 273 do CPC, permitindo a utilização da antecipação de tutela nos mais diversos contextos litigiosos – que até então ficava limitada a hipóteses legalmente expressas, como as do mandado de segurança, da ação civil pública, dos interditos possessórios e dos alimentos provisórios -, teve início nos meios jurídicos pátrios uma discussão buscando diferenciar os conceitos da liminar de natureza cautelar e de natureza antecipatória.
Há quem defenda que a medida cautelar está voltada para a proteção do processo (instrumento de exercício do direito material), e quem sustente estar voltada para o próprio direito subjetivo a que se invoca.
O que importa é a sua natureza preventiva, que tem por escopo assegurar o resultado útil de um outro processo de conhecimento (via de regra) ou de execução, afastando o perigo de que a prestação jurisdicional venha a ser frustrada, satisfazendo “a pretensão à segurança da pretensão”, na lição do sempre lembrado Pontes de Miranda.(2)
São condições para o manejo da ação cautelar os chamados `fumus boni iuris’ (plausibilidade do direito pleiteado) e `periculum in mora’ (perigo de dano iminente e irreparável(3), tornando-se inútil/ineficaz a futura sentença).
Na tutela antecipatória, por sua vez, o que se antecipa, provisoriamente, é(são) o(s) próprio(s) efeito(s) de uma sentença, no plano da satisfação do direito material litigado em um processo de conhecimento.
Para a concessão dessa medida, na hipótese genérica do artigo 273 do CPC(4), devem estar presentes os exagerados pressupostos da prova inequívoca (minimizada pela jurisprudência) e da verossimilhança da alegação, além do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou ainda o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.
Portanto, a distinção doutrinária substancial está no fato de que “a tutela cautelar apenas assegura uma pretensão, enquanto a tutela antecipatória realiza de imediato a pretensão”.(5)
Na prática, assemelham-se em diversos aspectos como na provisoriedade e na revogabilidade. Não se pode negar, inclusive, que o conceito de prova inequívoca e verossimilhança da alegação em muito se aproxima do `fumus boni iuris’, assim como o receio de dano irreparável ou de difícil reparação se aproxima do `periculum in mora’.
Cândido Rangel Dinamarco traça importante comentário sobre o assunto:
“Nem sempre as medidas urgentes se apresentam nitidamente definidas em seu enquadramento como medida cautelar ou como antecipação de tutela, grassando ainda muita insegurança entre os cultores brasileiros do processo civil. Acostumados a englobar entre as cautelares todas as medidas urgentes, inclusive as antecipatórias (até porque assim está no Código de Processo Civil, que foi elaborado quando não se tinha a percepção da existência dessa categoria), temos dificuldades quando nos pomos a indagar se dada medida é cautelar ou não, com a forte tendência de prosseguir superdimensionando o campo da cautelaridade.”(6)
Distinguindo a finalidade da medida cautelar e da medida antecipatória, o Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente:
“(…) em ação ordinária destinada a reduzir o valor da dívida e a repetir o indébito, mediante a discussão a respeito da legalidade de cláusulas e encargos do contrato, a tutela antecipada não é instituto adequado, para se obstar a inscrição do nome do autor junto às entidades de proteção ao crédito, pois não se confunde com as medidas cautelares em geral. A tutela antecipada destina-se a atender o próprio pedido principal, na hipótese a redução da dívida e a repetição do indébito.” (Recurso Especial n.º 338.073/SC, 3.ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 26.8.02, p. 213).
Em que pese o fato do ordenamento jurídico brasileiro prever procedimentos distintos para o uso de cada uma das vias sumárias ora analisadas, a bem da verdade é que ambas podem ser consideradas espécies da denominada tutela de urgência.
Tanto é assim, que antes da edição da Lei n.º 8.952/94, os juízes invocavam o poder geral de cautela previsto no artigo 798 do CPC como instrumento de natureza satisfatória.
Humberto Theodoro Júnior leciona com pontual precisão que:
“A pretensão de separar em campos diversos e bem delineados as medidas cautelares e as de antecipação de tutela, é tarefa que apenas o direito brasileiro, ambiciosamente, almejou. No direito europeu – onde primeiro se sentiu e exaltou a necessidade de incluir nos poderes do órgão judicial o de, em caso de urgência, permitir não só a prevenção, mas também a satisfação provisória da pretensão cuja realização se busca na tutela definitiva de mérito -, o que se fez não foi criar uma nova modalidade de prestação jurisdicional a par da cautelar. Entendeu-se, simplesmente, que a lei poderia perfeitamente ampliar a tutela cautelar para incluir, dentre as medidas de eliminação do `periculum in mora’, em certos casos, providências que satisfizessem antecipadamente o direito material do litigante…”(7)
E continua o insigne professor, traçando os antecedentes históricos do artigo 273 do CPC, asseverando que no velho continente a tutela antecipatória foi inserida dentro do próprio conceito de poder geral de cautela, distinguindo-se os provimentos cautelares em duas grandes categorias: `provvedimenti cautelari conservativi’ e `provvedimenti cautelari anticipatori’.(8)
Outro não é o entendimento de Dinamarco:
“É inegável, todavia, que tanto as cautelares quanto as antecipatórias convergem ao objetivo de evitar que o tempo corroa direitos e acabe por lesar alguma pessoa (…). Daí a legitimidade da recondução dessas duas ordens de medidas a um gênero só, que as engloba, ou a uma categoria próxima, que é a das medidas de urgência. E à moderna ciência processual, que é avessa a conceitualismos e se preocupa primordialmente com os resultados do processo e do exercício da jurisdição, muito mais relevância tem a descoberta dos elementos comuns que aquelas duas espécies apresentam, do que a metafísica busca dos fatores que as diferenciam”.(9)
Acompanhando a evolução do direito processual, a mais recente alteração ocorrida no Código de Processo Civil, produzida pela Lei n.º 10.444, que entrou em vigor no início do mês de agosto do corrente ano, trouxe o louvável acréscimo do § 7.º, ao artigo 273, reduzindo, significativamente, a relevância da distinção acima exposta, `verbis’:
“Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”
Surge, agora, a possibilidade de concessão de uma medida cautelar dentro do próprio processo principal, desde que atendidos os respectivos pressupostos que, na verdade, são mais fáceis de ocorrer, já que a tutela antecipatória exige a prova inequívoca e a tutela cautelar contenta-se com o `fumus boni iuris’.
É de se cogitar, inclusive, se o processo cautelar estaria em vias de extinção, já que, doravante, será mais conveniente (e econômico) ao causídico postular sempre um provimento sumário em forma de antecipação de tutela e, se o magistrado tiver entendimento diverso poderá concedê-lo como liminar cautelar, invocando o dispositivo legal citado.
Enfatizou-se o fim ao meio, o resultado à forma, afastando o tecnicismo exagerbado que, tantas vezes, se esquece da instrumentalidade do processo em detrimento do direito do jurisdicionado.
E com isso, o legislador silenciou as vozes que insistiam em elucubrações retóricas e reconheceu serem os institutos em análise, espécies de um só gênero.
Notas
(1) Sobre o assunto: MARINONI, Luiz Guilherme. “Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória”. RT, 1992, p. 17 e 87/99.
(2) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. “Comentários ao Código de Processo Civil”. Vol. IV, ed. 1949, p. 11.
(3) BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. “Curso de Processo Civil”. Vol. III, 3.ª ed., RT, 2000, p. 54.
(4) Sem perder de vista os requisitos necessários para determinados tipos de liminares. No mandado de segurança, por exemplo, exige-se o relevante fundamento e o risco de ineficácia da medida final em razão da subsistência do ato impugnado (art. 7.º, II, Lei n.º 1.533/51). Nas ações possessórias, a ameaça, turbação ou esbulho não pode ser anterior a um ano e um dia, contados da data de seu exercício (art. 523, CC).
(5) THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Processo Cautelar”. 17.ª ed., Leud, 1998, p. 83.
(6) “O Regime Jurídico das Medidas Urgentes”. Publicado no Juris Síntese n.º 33 – Jan/Fev. de 2002.
(7) THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Processo Cautelar”. 17.ª edição, Leud, 1998, p. 406/407.
(8) Ibidem
(9) DINAMARCO, Candido Rangel. “Op. Cit.”.
Loril L. Bueno Junior
é juiz substituto da Seção Judiciária de Arapongas.