De acordo com o artigo 1.142 do Código Civil, “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.” Neste sentido, deve-se entender que o estabelecimento empresarial é o objeto de direito no qual existem bens, que devem ser organizados pelo empresário, que é o sujeito de direito que efetivamente explora a atividade economicamente organizada, atividade esta denominada de empresa.
Ato contínuo, o empreendedor pode fazer a opção por transferir a totalidade do referido estabelecimento a outrem, o que ocorre por diversos fatores, tais como, faturamento baixo, busca de novos desafios, etc.
Gize-se que o vetusto Código Civil de 1916 não regulava a transferência de estabelecimentos empresariais, sendo que, atualmente, o Código Civil de 2002 dispõe sobre tal transferência. Neste caminho, o artigo 1.146 reza, em linhas gerais, e na parte que interessa para o presente artigo, que “o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados”.
Posto isso, surge a pergunta: tal transferência, da forma como está disposta na lei, é atrativa para o adquirente? Antes de se responder a este questionamento, cabem algumas considerações.
Inicialmente, deve-se registrar que os débitos trabalhistas que o alienante do estabelecimento possuía são transferidos em sua integralidade ao adquirente, pelo que preconizam os artigos 10 e 448, ambos da CLT. Da mesma forma ocorre com os débitos tributários, os quais são transferidos ao adquirente do estabelecimento empresarial, por força do artigo 133 do Código Tributário Nacional.
Neste diapasão, pelo que versa o artigo 1.146, do Código Civil de 2002, o empreendedor que adquire o estabelecimento já começará a explorar a atividade economicamente organizada, na maioria dos casos, herdando um passivo do alienante. Cabe aqui considerar nossa opinião contrária a esta disposição legal, haja vista que débitos não são bens, e, por este motivo, não poderiam ser transferidos ao adquirente, posto que os bens que compõem o estabelecimento é que são transferidos quando da mencionada operação.
Todavia, o adquirente assume todas as dívidas anteriores à transferência apenas porque a lei assim determina. E dentro destas dívidas podem existir débitos não contabilizados, os quais também são assumidos pelo adquirente, por disposição legal.
Além disso, deve-se ressaltar que o artigo 1.144 do Código Civil de 2002 orienta que, para que a transferência tenha validade perante terceiros, deve ser arquivada a alteração do contrato social na Junta Comercial, ou no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, conforme o caso, dando conta da operação, além de ser obrigatória a publicação da transação no Diário Oficial do Estado, sob pena do ajuste possuir validade apenas entre o adquirente e o alienante. Caso os empreendedores não levem à cabo alguma das disposições acima mencionadas, a operação de transferência do estabelecimento pode ser declarada ineficaz, desde que algum credor prejudicado faça tal pedido perante o judiciário.
Ressalte-se que é comum os empreendedores não observarem as disposições legais para validade da operação perante terceiros, por total desconhecimento da lei.
Diante do acima exposto, volta-se a indagar: tal transferência, da forma como está disposta na lei, é atrativa para o adquirente?
Entendemos que não, haja vista que o adquirente já iniciará a exploração do estabelecimento adquirido, não raro, com um passivo, no mínimo em potencial, além de correr o risco de ter a operação declarada ineficaz, por total desconhecimento do que dispõe a lei.
Por estes motivos, conclui-se que a lei, assim como está disposta, desestimula a referida operação, haja vista que o legislador procurou proteger demasiadamente o credor, em detrimento das partes envolvidas na transferência, o que, certamente, afetará a economia e o ambiente de negócios no nosso país, além do desprestígio ao princípio da preservação da empresa.
Coluna sob responsabilidade dos membros do grupo de pesquisa do Mestrado em Direito do Unicuritiba: Liberdade de Iniciativa, Dignidade da Pessoa Humana (Ano II), liderado pelo advogado e Prof. Dr. Carlyle Popp e pela advogada e Prof.a M.Sc. Ana Cecília Parodi. grupodepesquisa.mestrado@ymail.com.
Esta coluna tem compromisso com os Objetivos para o Desenvolvimento do Milênio.
Sérgio Henrique Tedeschi é mestre em Direito Empresarial na Unicuritiba. Especialista em Direito Empresarial pelo IBEJ. Professor de Direito Empresarial e do Trabalho. Advogado e Administrador. tedeschi@tedeschiepadilha.adv.br