A postura inovadora do pai, Marshall McLuhan, ao criar uma definição-síntese da cultura dos anos 60 – “o meio é a mensagem”- que lhe deu fama universal, parece motivar o filho pesquisador. Atuando no mesmo campo de conhecimento de seu pai, o jovem Eric McLuhan aplica-se mais belicamente ao assunto da comunicação e propõe uma batalha virtual dos meios de comunicação entre si (televisão x cinema x leitura x fotografia) e deles com a cultura (evasão, emoções, uso da tecnologia). O caráter bélico expande-se para os comportamentos diante da televisão, execrando a passividade da leitura emocional e de imagens e advertindo para a atividade danosa dessa linguagem sobre o cérebro.
Consideremos alguns aspectos de suas afirmações.
De todos os meios criados pela sociedade ao longo dos tempos, a televisão talvez seja o mais atraente e o de mais fácil acesso. Mas a discussão entre meio e desligamento do real é a mais antiga: o grande escritor francês Flaubert apresentava no romance Madame Bovary (1857) a personagem Ema, cujo cérebro fora adormecido para que as emoções pudessem reinar absolutas. A causa? Romances sentimentais!
Alguém, em sã consciência, é capaz de afirmar que filmes de terror ou thrillres enriquecem a razão humana porque estimulam as duas partes do cérebro? O fato do computador – assim como a televisão – se utilizar de cores básicas, torna esse meio de informação e fantástico banco de dados em fonte de evasão?
Acreditar que as razões arroladas por Eric McLuhan sejam suficientes para provocar o afastamento do público de todas as idades, crenças e profissões da frente de uma tela acesa, barulhenta e dinâmica é apenas uma demonstração de ingenuidade. A evasão pode ser um valor tão ou mais superior do que a razão para indivíduos impossibilitados de superar as diferenças sociais, de educação e de oportunidade de melhorias de vida. A evasão pode ter a característica de compensação para uma vida sem horizontes. Não comandam, é o afastamento da televisão que criará ocasião propícia ao desenvolvimento da razão. Quem se detém, mesmo que rapidamente, diante da TV em busca de material de pesquisa e análise, percebe, com a rapidez do raio laser e da fibra ótica, que a programação e os interesses mercadológicos é que, intencionalmente, reduzem os espectadores ao estado de amebas com carteira de identidade.
Vivemos uma época em que a desrazão é o melhor atestado da existência da razão. E que, de maneira racional, se programa um ataque terrorista e um revide em Tora Bora. No momento em que a intelectualidade se recusa a continuar acreditando em dualismo opositivos, com o razão x evasão; fotografia x televisão; cinema x televisão; televisão x leitura e tela x público, o segundo McLuhan procura restaurá-las.
Um menino frente à tela somente se evadirá ao real e ao racional se todos os seus antecedentes culturais, a satisfação afetiva, os estímulos lúdicos mais prazerosos e as trocas simbólicas significativas não existirem. O desamparo social, afetivo, cultural e simbólico provoca dores e sofrimentos interiores intensos. A evasão converte-se, nesse caso, em rota de sobrevivência.
A televisão não faz perder a paciência para a leitura, visto que esta não é um ato massacrante e tedioso, com o qual se deva ter “paciência”. Um leitor com formação efetiva e crítica lê, apesar do televisor estar ligado à sua frente. São linguagens diferentes com poderes diversificados. Co-habitam o cérebro. O futuro da cultura, que Eric McLuhan prevê de maneira pessimista, tem a marca de uma postura comparativa falaciosa. A cultura de amanhã, a fazemos e, todos os momentos do presente. O futuro de hoje ainda é o hoje.
Empresários, programadores, publicitários, artistas e técnicos trabalham racionalmente para produzir o lixo cultural de hoje, que não é voltado exclusivamente para as emoções (ainda um valor cerebral), mas para o instinto, sobretudo o sexual. A evasão e a destruição da razão fazem parte do projeto ideológico da elite que domina os meios de comunicação (meios sem razão e sem emoções), para anestesiar a vontade política e crítica geral. Erigir músculos e nádegas em projetos de vida é antes questão ética e política do que teológica e emocional.
Antes de demonizar a televisão, convém expulsar os anjos luciferinos que comandam, com decisões tomadas do alto da inteligência e da razão, as mesas de botões e canais.
Marta Morais da Costa é professora, escritora e diretora dos cursos da área de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.