A Lei 11.101/05 disciplina a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência de sociedade empresária e do empresário, sendo esse o que exerce atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, em conformidade com o contido no art. 966 do Código Civil. Portanto, o legislador brasileiro deixou de lado a Teoria dos atos de Comércio (França), e que servia de arrimo ao Dec.-Lei n.º 7.661/45 (conforme Vivante, ?comerciante é aquele que pratica com habitualidade e profissionalismo atos de comércio?) e adotou a Teoria da Empresa, em conformidade com o Direito Italiano (1942).

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O empresário pode ser pessoa física (empresário individual), ou jurídica (sociedade empresária). Contrapondo-se a isso, o Código Civil apresenta uma ?novidade?, que é a sociedade simples, também oriunda do direito italiano. Tal tipo societário diz respeito às entidades que, embora pratiquem atividade econômica, não se amoldam ao contido no art. 966. Portanto, simples é a sociedade que não desenvolve o objeto da sociedade empresária (art. 982 do Código Civil).

A sociedade simples, conforme posição majoritária da doutrina hodierna, tem relevante importância no atual Código Civil. Como exemplo, pode-se dizer que os dispositivos legais de tal sociedade também serão utilizados em relação a outros tipos societários, tais como a sociedade em nome coletivo e a sociedade limitada. Então, é grande a importância da sociedade simples para o novo código, muito embora existam sérias críticas pela doutrina.

Porém, o art. 1.º da Lei 11.101/05 afasta totalmente a aplicabilidade do novo modelo legal (soc. simples), apenas se referindo a empresário e sociedade empresária. A simples, portanto, não poderia se valer do favor legal recuperação de empresa, conforme nova lei. Com efeito, segundo a lei, somente o agente econômico está sujeito aos ditames legais em foco, sendo certo que o art. 2.º estabelece que as disposições não são aplicáveis à empresa pública, sociedade de economia mista e outras entidades. As entidades não previstas na lei, como a simples, deverão observar o regramento específico do Código de Processo Civil (insolvência, conforme art. 748), sendo que o art. 786 de tal diploma faz expressa referência às ?sociedades civis?, qualquer que seja sua forma. Saliente-se que tal regramento quase nunca é aplicável na prática. Por outro lado, as instituições financeiras estão sujeitas ao regramento previsto na Lei 6.024/74, a princípio.

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Então, poder-se-ia chegar a uma primeira conclusão: às sociedades simples não seria dado o direito de requerer a recuperação judicial, por expressa vedação do art. 1.º da nova lei.

Malgrado tudo o que foi até aqui exposto, não vejo, s.m.j., como dar tratamento diferenciado à sociedade simples, quando o tema é recuperação judicial. Antes e acima da Lei 11.101/05 está a Constituição da República, a qual contém princípios constitucionais deveras importantes, e que deverão ser observados pelo exegeta. A título meramente ilustrativo, apontam-se os princípios da proporcionalidade (art. 5.º, § 2.º); da preservação da empresa; função social, dentre outros.

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A idéia primordial da Lei 11.101/05 é, em conformidade com o art. 47, viabilizar a superação da crise momentânea. Caso os meios colocados à disposição do devedor não surtam os efeitos almejados, aí sim poder-se-á falar em falência, aí sim haverá a retirada compulsória do mercado. Este é o norte. Mais uma vez insiste-se que primeiro tenta-se a recuperação e depois observa-se o regramento próprio da falência, mais célere.

Questiona-se: Por que, para fins específico de aplicação da nova lei, haveria distinção entre sociedade empresária e sociedade simples? Por que somente aquela está protegida pelo novo texto legal? E mais ainda: tendo a sociedade simples relevância no âmbito do direito empresarial, muito embora não desempenhe (em tese) atividade econômica organizada, evidentemente que não poderá ser tratada de forma diversa. A sociedade simples, muito embora tenha seus atos constitutivos registrados no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, mas de fato tenha algum dos atributos elencados no art. 966 do Código Civil, a habitualidade, por exemplo, não poderia se valer da Lei 11.101/05?

Duas situações deveras importantes: Primeiramente, o projeto originário que tramitou na Câmara Federal, relativo à nova lei, previa de forma expressa que o regramento da recuperação seria aplicável às sociedades simples, conforme art. 1.º da redação final do Projeto n.º 4.376-E, de 1993. Tal artigo tinha a seguinte redação: ?Art. 1.º. Esta Lei institui e regula a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência da sociedade empresária, da sociedade simples e do empresário que exerça profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, que doravante serão denominados simplesmente ?devedor??. A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado da República, ao analisar o projeto originário, entendeu que inexistia clareza e precisão técnico-jurídica na redação de alguns dispositivos originários, e, para simplesmente afastar a sociedade simples do âmbito da lei, esclareceu que não havia uniformidade terminológica em alguns pontos da lei, dispondo que ?parece mais adequado, a fim de evitar interpretações equivocadas, aproveitar a definição do Código Civil, que é mais precisa, para restringir os regimes disciplinados na lei aos empresários e às sociedades empresárias?. Segundo a Comissão, o parágrafo único do art. 1º do projeto originário da Câmara Federal excluía a grande maioria das sociedades simples, especialmente quando mencionava os profissionais liberais e suas sociedades. Evidentemente que o texto do art. 1.º da Lei 11.101/05 carece de interpretação, principalmente se considerados os princípios constitucionais. Por outro lado, e para rematar, há necessidade de se preservar, também, a sociedade não empresarial.

Importante destacar que o texto da Lei 11.101/05 já está merecendo a necessária interpretação jurisprudencial, sendo certo que em 30/06/05, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por seu terceiro vice-presidente, em decisão liminar, concedeu o direito à empresa em regime falimentar, ainda pelo Dec.-Lei n.º 7.661/45, de requerer a concordata suspensiva, situação essa expressamente vedada pelo regramento do art. 192, º 1.º da nova lei.

Carlos Roberto Claro é especialista em Direito Empresarial; professor assistente de Direito Societário e Falimentar das Faculdades Integradas Curitiba; autor dos livros ?Revocatória Falimentar? e ?Lei de Falências e Concordatas anotada à luz da jurisprudência?; organizador do livro ?Falência & Recuperação texto comparativo entre a Lei 11.101/05 e o Dec.-Lei 7661/45?, todos editados pela Juruá Editora – Curitiba.