Com a entrada em vigência da Lei 11.101/05, que trata da recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da entidade empresária, em substituição ao vetusto Decreto-lei 7.66/45, e não obstante a euforia inicial quanto aos aspectos inovadores do novo diploma legal, importante é verificar qual será a efetiva situação dos credores em processo falimentar (ou seja aqueles pretéritos à falência); os chamados créditos extraconcursais (posteriores à sentença declaratória da falência) e os chamados terceiros reivindicantes.
Evidentemente que a lei nova vem causando inquietudes não só nos meios jurídicos, considerando o fator "novidade" e muito se escreve a respeito dos institutos da falência e da recuperação. Várias são as indagações, principalmente no que concerne ao tema recuperação de empresas, e a pergunta é quase sempre a mesma: haverá a superação da dificuldade econômico-financeira momentânea da entidade que está em processo de recuperação judicial? Evidentemente que a resposta somente poderá ser dada após cumprido, efetivamente, o favor legal. Após o decurso do prazo concedido pela lei é que poder-se-á verificar se os meios adotados para a tentativa de recuperação foram ou não eficazes. Poder-se-ia até afirmar mais: depois do encerramento do processo e passado algum período após o retorno efetivo da empresa ao mercado é que a resposta ao questionamento certamente seria dada com tranqüilidade. E mais: a Lei 11.101/05 é contemporânea à atual realidade brasileira? A resposta talvez não seja tão complexa, diante dos fatos que causam perplexidade a todos.
Debruçando-se sobre o tema central deste texto, impende destacar desde logo que o art. 83 do novo texto estabelece a ordem de classificação dos créditos na falência, obedecendo à preferência dos créditos trabalhistas, com limite de 150 salários mínimos e os decorrentes de acidente de trabalho. O limite estipulado pela lei entra em rota de colisão com o art. 7.º, inc. IV da Constituição Federal. Por outro lado, sem adentrar na constitucionalidade (ou não) de tal dispositivo, entendeu o legislador que o limite se fazia necessário para "evitar abuso freqüente no processo falimentar, pelo qual os administradores das sociedades falidas, grandes responsáveis pela derrocada do empreendimento…" (1), sendo que as razões efetivamente estão em total desarmonia com a realidade. Com isso, coloca-se a credibilidade dos empresários corretos e cumpridores de seus deveres em choque com os maus administradores e desonestos. Nem sempre o administrador de entidades é o causador da falência, e não se olvide que há poucos anos (mais especificamente no ano de 2002) a moeda norte-americana chegou a custar o equivalente a R$ 4,00 (quatro reais) em nosso país.
Dentre os princípios da nova lei está o da proteção aos trabalhadores, mas é fato que o art. 83, relativo à classificação dos créditos no processo de falência deve ser interpretado sob os enfoques teleológico e sistemático, e a alardeada "proteção" aos créditos trabalhistas deve ser recebida com reservas, muitas reservas.
E por que se chega a tal conclusão? Simplesmente porque os créditos trabalhistas pretéritos à falência, vencidos três meses antes desta, e até o limite de até 5 salários mínimos, em conformidade com o art. 151, serão pagos tão-logo haja disponibilidade em caixa. Porém, e aí se fazem presentes as regras de interpretação, antes do cumprimento do art. 151 faz-se necessário observar o art. 84 da lei, que trata dos chamados créditos extraconcursais, ou seja, aqueles constituídos após a declaração judicial de falência. Tais créditos, como a remuneração devida ao administrador judicial e seus auxiliares, e as despesas para impulsionamento necessário e imprescindível do processo de falência, evidentemente, devem ser pagos antes daqueles credores pré-existentes à instauração do processo falimentar. Isso porque o art. 150 da lei estabelece que as despesas necessárias à administração da falência, sendo indispensável, devem prevalecer, isto é, serão pagas imediatamente e antes da observância dos artigos 151 e 83. Então, há aparente contradição entre os artigos 150 e 151. Somente é aparente a tal contradição, pois o processo de falência deve ter as condições mínimas para que haja regular andamento, e aí os créditos da falência (os pretéritos) não podem ser os primeiros a serem pagos. Há, com a falência, o surgimento da massa falida, e daí surgem os créditos perante esta e não relativos àquela, evidentemente. E também não se pode olvidar dos reivindicantes, ou seja, daquelas pessoas que não são consideradas juridicamente credores no processo falimentar e cujo procedimento a ser por eles adotados vem previsto a partir do art. 85.
Portanto, os pagamentos no processo de falência, ao contrário do que se possa imaginar e indo contra a proteção dos credores trabalhistas, devem ocorrer da seguinte forma: Primeiramente, observa-se o artigo 84, ou seja, são pagos os credores da massa (e não da falência!), interpretando-se também o art. 150; em seguida cumpre-se o art. 151, com o pagamento dos créditos trabalhistas vencidos nos 3 últimos meses antes da falência e até o limite de 5 salários mínimos por trabalhador; depois há o pagamento dos valores devidos a título de restituição, após sentença judicial passada em julgado (arts. 85 e 88) e só após isso é que observar-se-á, efetivamente, a linha adotada pelo art. 83, ou seja, depois dos pagamentos antes citados, deverá o administrador judicial, caso haja recursos em caixa, efetuar o pagamento dos credores da falência propriamente dita. Esta é a linha de entendimento por nós adotada, no tocante à hierarquia de créditos na falência e na massa falida, sob censura.
Nota
(1) Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado
Carlos Roberto Claro é especialista em Direito Empresarial; professor assistente de Direito Societário e falimentar das Faculdades Integradas Curitiba; autor dos livros "Revocatória Falimentar" e "Lei de Falências e Concordatas anotada à luz da jurisprudência"; organizador do livro "Falência & Recuperação texto comparativo entre a Lei 11.101/05 e o Dec.-Lei 7661/45", todos editados pela Juruá Editora -Curitiba.