O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva sinalizou total apoio à empresa nacional, ao viajar para o exterior em avião construído pela Embraer. Confirmando que Deus é brasileiro, três grandes empresas estatais privatizadas não passaram para o controle de capitais estrangeiros. No que diz respeito à Companhia Siderúrgica Nacional e à Cia. Vale do Rio Doce, há que se tirar o chapéu para a argúcia e competência de Benjamim Steinbruch em desenhar criativa logística de parcerias e conceber complexa engenharia financeira, que neutralizou e derrotou poderosos concorrentes internacionais. Essas duas gigantes retratam 60 anos de esforço do povo brasileiro e a ação de sucessivos governos, desde sua fundação, na década de 40, pelo estadista Getúlio Vargas.
É irrelevante discutir se o preço pago nos leilões foi ínfimo, pois as vendas estão consumadas; todavia, é consensual que CSN, Vale e Embraer estão comprometidas com o desenvolvimento do Brasil, com a geração de receita cambial e com a preservação de nossa soberania, porque, afora o sacrifício da atual e das gerações passadas, os leilões de privatização só puderam concretizar-se com a presença nos consórcios acionários vencedores de vultosos meios dos fundos de pensão Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e outros, inclusive os fundos das empresas que foram alienadas.
Há entendimento geral que o governo da União está obrigado a prestigiá-las pra valer, mirando-se no exemplo do Japão, a segunda maior economia mundial, que dá todo suporte aos seus poderosos conglomerados econômicos (alguns ex-estatais), que congregam bancos, siderúrgicas, estaleiros, armadores, “tradings” exportadoras, cuja atuação muitas vezes se confunde com a do próprio Poder Executivo japonês, sendo expressamente vedado sequer pensar que possam se desnacionalizar. Da mesma forma, procedem Coréia do Sul e China.
O comportamento do próximo governante certamente contrastará com a rendição do governo FHC aos cânones do neoliberalismo, que o levou a vender, em 2001, 31,17% do capital votante da Cia. Vale do Rio Doce, renunciando à presença de dois membros-representantes do Executivo no Conselho de Administração.
É válido supor que a diretriz da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, em relação às empresas estatais privatizadas, pertencentes a brasileiros, terá três componentes inarredáveis: 1- oferecer-lhes sustentáculo diplomático (Itamaraty), logístico (Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio) e financeiro (BNDES e Banco do Brasil); 2- subscrever e integralizar capital através do BNDES, se necessário, para evitar risco de o controle acionário passar para capital alienígena, e, 3- canalizar para a Embraer todas as encomendas da Aeronáutica de aeronaves de uso militar, dispensada licitação, como fazem os Estados Unidos nas aquisições de suas indústrias bélicas. Idêntica preferência seria exigida das companhias aéreas, financiadas por bancos oficiais, nas compras de aviões de passageiros.
Com certeza, o governo federal será o ombudsman do povo brasileiro, para apontar e impedir negócios indesejáveis para nosso País, como investimentos desnecessários no exterior. Por exemplo, a “Vale” tem reservas de minério de ferro para 400 anos e imensas jazidas de ouro, cobre, caulin e de outros minérios. Assim, não tem o menor cabimento investir no exterior em pesquisa e extração mineral. Ao contrário, a “Vale” precisa recuperar a política quando estatal de formar “joint ventures” com empresas estrangeiras para explorar minério aqui em nosso território ou beneficiá-lo e industrializá-lo com vistas a agregar valor. Aplicar dinheiro lá fora só se for em projetos que gerem e vinculem maiores exportações.
Certa feita, o atual presidente da “Vale” disse que os “sócios controladores eram investidores e não industriais”, conceito totalmente errado, porque eles são antes de tudo empresários, comprometidos com o progresso do País, e não simples aplicadores em bolsas ou no mercado financeiro. Aliás, a política de distribuição de lucros da “Vale” aos acionistas tem sido muito generosa: 70% sobre o lucro líquido ou dos juros sobre o capital e anuncia estudos para remunerar os acionistas com base no montante do caixa. Em 5 anos após o leilão, já distribuiu lucros de valor bem superior ao que foi pago pelo controle da empresa, R$ 3,388 bilhões, em 6 de maio de 1997.
Será imperdoável que por falta de investimentos na produção de minério de ferro e pelotas, a “Vale” talvez não possa atender em 2003 a demanda adicional impulsionada pela China, com risco de perder mercado para os concorrentes estrangeiros. Ressalve-se os pesados dispêndios no Projeto Sossego de cobre e na área de transporte e logística.
Dentro dessa mesma lógica, a CSN que apresenta baixo custo industrial e jazida de minério de ferro (Casa de Pedra) com o menor custo comparativo de extração, tem que estabelecer metas para elevar a produção interna de aço, cabendo à União ajudar a empresa e seus controladores (Vicunha Siderurgia) com crédito e, se for o caso, com participação no capital. É fundamental que importantes ex-estatais que se confundem com a própria nação continuem sob a nossa bandeira, prestando serviços ao Brasil.
Léo de Almeida Neves
é suplente do senador Roberto Requião, ex-deputado federal e ex-diretor da CREAI do Banco do Brasil. Autor de “Vivência de Fatos Históricos”, Ed. Paz e Terra, SP, 2002, 534 páginas.