A sentença transparente

Pretendemos comentar sucintamente como os julgadores proferem suas sentenças na França e no Brasil. A primeira parte do artigo foi elaborada pela autora e a segunda pelo autor, pois, não pretendemos fazer com que aquela critique as decisões de nossos tribunais como nós as conhecemos e também porque nós conhecemos aquelas e não somente essas.

Na França

No sistema jurídico francês cada decisão dum tribunal tem a mesma estrutura, essa estrutura pode variar levemente em função da especialização do tribunal. Assim, o juiz do tribunal de comércio, o do tribunal civil e o do tribunal administrativo não seguirão uma metodologia exatamente igual, porém, existe uma estrutura comum a todas as decisões.

Ela funciona da seguinte forma:

1.º) Em primeiro lugar, o julgador recorda estritamente os fatos que interessam ao caso;

2.º) Em seguida, o julgador descreve o procedimento processual, acompanhado dos pedidos formulados pelas partes devidamente fundamentados.

3.º) Enfim o julgador fundamentará sua decisão baseado em fontes do direito aplicáveis ao caso concreto. Assim, para cada regra de direito aplicável, o juiz terá que dar a sua interpretação da regra citada e provar que essa regra se aplica ao caso julgado.

Essa parte do julgamento é crucial e indispensável. Se o juiz não explicar e fundamentar sua decisão em direito, a sentença será contrária aos princípios editados no Código de Processo Civil francês. Tudo o que não for demonstrado juridicamente será considerado nulo e sem fundamento. No final da decisão, o juiz resume sua argumentação e chega a sua conclusão.

Ao utilizar referidos artigos o julgador demonstra claramente porque eles estão sendo aplicados aquela situação, isso faz com que possam surgir novas interpretações da lei.

O julgador expõe seu fundamento jurídico, ele diz de onde tirou suas conclusões, de qual artigo, de qual lei, para chegar a conclusão de quem tem direito.

No Brasil

Na realidade o sistema brasileiro é praticamente o mesmo adotado na França quando o julgamento é feito através da aplicação da lei ao caso concreto, mas, o que ocorre com freqüência é que aparentemente o sistema brasileiro é igual ao francês, pois, quando o julgador narra os fatos, muitas vezes ele não se refere ao problema ligado ao litígio, isso faz com que ele possa adaptar determinado fundamento jurídico a um fato que não é o cerne da questão litigiosa, ou seja, ele se atém a resolução de um problema diferente daquele que deveria ser resolvido.

Embora a sentença desprovida de fundamentação aqui também seja nula, isto não ocorre freqüentemente na prática como ocorre com certa freqüência na França. No Brasil muitas e muitas vezes o que o julgador escreve é chamado de ” fundamento “, mesmo quando ele não diz a fonte de direito e nem de onde tirou suas conclusões. Nem sempre ele demonstra porque está aplicando determinada fonte de direito naquela situação litigiosa e com freqüência ele procura impor o que pensa, sem demonstrar de onde vem sua fundamentação. O julgador deve sempre demonstrar claramente com fontes de direito como chegou a conclusão da lide e porque ele está aplicando tais fontes a resolução daquele problema, para não cairmos numa ditadura judicial.

Marie-Eve Friedrich

, DEA/mestre em Direito Público Internacional pela Université de Aix-en-Provence, França, master em Direitos Humanos pela Universit-t Lund, Suécia.

Robson Zanetti é advogado em Curitiba, mestre e doutorando em Direito Privado pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne, especialista em Direito Privado pela Università degli Studi di Milano. E-mail:

robsonzanetti@yahoo.com.br

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