A saúde dos insatisfeitos

Há um estigma do sistema público de saúde e dele tão cedo o governo não se livrará, por mais que as condições de atendimento e resultados melhorem.

A verdade é que, dos mais de 170 milhões de brasileiros, pouco além de 35 milhões possui algum tipo de cobertura suplementar para os cuidados de sua saúde.

É, portanto, dever de todos, mormente dos parlamentares e do executivo, assumir total compromisso e empenho pela contínua melhoria da qualidade do serviço e respeitosa aplicação dos recursos financeiros no Sistema Único de Saúde (SUS).

Até a aprovação da Lei 9656, em 03 de junho de 1998, o segmento da saúde suplementar não dispunha de legislação específica e vigorava a tradicional regra da competitividade de mercado.

Passados mais de 6 anos, é questionável se houve ganhos ou perdas para todos os componentes desta área com a intervenção do governo através da Agência Nacional de Saúde (ANS).

O que se pode afiançar, isto sim, é que a insatisfação dos profissionais, empresários e usuários da saúde suplementar é muito grande, ou seja, todos estão desgostosos.

A intervenção do governo na iniciativa privada, quase sempre produz mais estragos que benefícios.

Indispensável lembrar que o Brasil é o segundo maior mercado em planos de saúde do mundo, perdendo apenas para os EUA, o que induz grande interesse de participação internacional nesta divisão da economia nacional que movimenta ao redor de 30 bilhões de reais por ano, sendo que mais de 82% é gasto com os benefícios diretos aos usuários.

O governo que acautele-se e raciocine que este volume imenso de dinheiro poderia estar saindo dos seus cofres e consumindo os já escassos e finitos recursos que são aplicados na saúde pública brasileira.

Na saúde, estamos obrigados a aplicar a mesma tecnologia da América do Norte, Canadá e Europa, a um custo cada vez mais elevado, porém vendemos os nossos serviços para um cliente de terceiro mundo com recursos limitados e poder aquisitivo baixo.

A indústria farmacêutica, a de equipamentos sofisticados e de materiais é quem consome a maior parte desses recursos.

São segmentos importantes e indispensáveis para obtenção dos resultados e manutenção da qualidade na saúde, mas, lamentavelmente, a cada novo avanço tecnológico acrescenta-se custo, nem sempre factível de ser absorvido pelo mercado.

Isto explica porque a inflação dos serviços de saúde está sempre acima da convencional.

Nos EUA, por exemplo, a inflação anual com serviços em saúde foi de 6,5% de 1998 a 2001 e a Health Care Financing Administration projeta , até 2008, um crescimento médio de 6,8% ao ano com os gastos em saúde.

Na equação financeira deste processo há variáveis que precisam ser melhor entendidas pela população: 1) A ANS, que regula o setor de saúde suplementar, dita normas e disciplina o mercado, inclusive na determinação do índice de reajuste que as Operadoras de Planos de Saúde (OPS) podem aplicar nos seus contratos; 2) a indústria, que impõe novas e sofisticadas tecnologias a valores extorsivos e intoleráveis pelo mercado; 3) os usuários, sejam pessoas físicas ou jurídicas, cujo poder aquisitivo é cada vez menor, inclusive pela pesada carga tributária imposta pelo governo; 4) os profissionais e empresários da saúde, cada vez mais desgostosos com a sua remuneração.

Ou seja, falamos de um segmento da nossa sociedade composto apenas de insatisfeitos.

O governo – assiste a tudo de forma insensível, como se o problema dele não fosse. Mas é, e está registrado na Constituição Brasileira de 1988, no seu artigo 196, que diz “Saúde é um direito do cidadão e dever do Estado”.

Todos, incluindo o Governo, precisam conscientizar-se que já é passada a hora de implantar um novo modelo, já que o atual desagrada universalmente.

A sinistralidade (custos com os benefícios utilizados pelos usuários) que já era alta (82%) em 2002, aumentou nos tres primeiros meses deste ano. Isto é insuportável, se compararmos com a sinistralidade Americana, ao redor de 75%.

A solução só será atingida quando o sistema for integrado num processo de co-participação, envolvendo usuários, OPS, governo, empresários e, sobretudo, a indústria.

A implantação de programas como a Medicina Baseada em Evidências (revista gestão em saúde ano I n.º 2 junho/2004 pgs 04/07) e a Medicina Preventiva, são instrumentos indispensáveis na correção destas distorções.

Esta última permitirá reduzir custos e melhorar a qualidade de vida, já que é um programa que promove a análise de carteiras em conjunto com ações educativo-preventivas e de monitoramento de doenças crônicas.

Este envolvimento identifica, a um só tempo:

a) os usuários saudáveis, que necessitam apenas de programas educativos;

b) os doentes sem sintomas, para os quais é necessário um acompanhamento

c) aqueles que geram altos custos, porque utilizam recursos inadequados e, por último;

d) os doentes crônicos, que precisam de acompanhamento e atenção especial, evitando recorrência em consultas, exames e internações, elevando os custos.

Mais importante de tudo isso é a melhoria na qualidade de vida dos usuários, que não podem ser os únicos responsáveis a pagarem essa conta.

Injusta, também, é a distorção na remuneração dos profissionais da área que estão sendo compelidos a pagarem a maior parte destes custos que é consumida pela tecnologia moderna aplicada na saúde.

Analisando o gráfico abaixo, composto para avaliar os índices autorizados pela ANS depois de 1999, verificamos que os aumentos autorizados às OPS foram bem inferiores ao IGPM (índice geral de preços do mercado). Enquanto o IGPM acumulou até maio de 2004 um índice de 70,34%, os reajustes autorizados pela ANS não superaram os 34,86%.

Há, portanto, defasagens e correções de todos os lados e que são os principais fatores deste descontentamento universal que paira na assistência médica suplementar deste país.

A maior injustiça deste processo é que os usuários e profissionais da saúde estão ficando com a conta para pagar.

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