A Roda da Vida – Da Índia a Lula, Sem Escalas

Entre uma listra de cor alaranjada escura (representando o açafrão e a força da civilização indiana) e outra verde (símbolo da fertilidade), encontramos, na bandeira Indiana, a representação da Roda da Vida. Segundo os indianos, os eventos acontecem em ciclos, ciclos que se repetem, ciclos interdependentes. Curioso, me pergunto: Poderíamos encontrar na Roda da Vida, no rodar constante da história, uma justificativa à viagem de Lula à Índia e a súbita importância que essa nação passou a ter sobre os rumos da nossa política internacional?

O ciclo de eventos começa na cidade de Harappa, no vale do Rio Indu. Harappa era um modelo de planejamento urbano: água encanada, instalações sanitárias, cisternas e banhos públicos, áreas comunais de lazer. Tudo isso 1800 anos antes de Cristo. Por alguma razão ainda não esclarecida – epidemia, catástrofe natural, revolução interna – Harappa não mais florescia quando à Índia chegaram os Árias.

Os Árias, fundadores da civilização Védica – os vedas são uma série de poemas que explicavam e definiam a ordem das coisas dentro de uma sociedade – subjugaram facilmente a enfraquecida Cidade Estado de Harappa, estabelecendo na Índia o sistema de castas e as bases do Hinduísmo. Bramânes ou sacerdotes, os comerciantes, os sudras – trabalhadores braçais – e, no fosso da pirâmide social, os párias ou intocáveis.

O Hinduísmo fala do Samsara, o inferno espiritual consequência do Estado constante de desejo. Sidarta, ou Buda, nascido na Índia, filho de sacerdotes, passou a pregar que negação ao desejo – de qualquer espécie, carnal, psíquico ou material – poderia levar a alma, na sua eterna evolução, ao Nirvana.

O budismo, religião, filosofia ou forma de vida, floresceu na Índia antes de ser “exportado” para o Oriente. No oriente, somando-se aos elementos xintoístas do Taoísmo, produz o Zen Budismo, a religião mais “cool” do planeta.

Coexistiam na Índia budistas e hinduístas, quando ao sub-continente chegaram os islamitas. O império muçulmano Mogul dominou a Índia por séculos. O Taj-Mahal, um dos tesouros da humanidade, foi construído em homenagem à falecida esposa de um soberano islamita, hoje é um dos maiores símbolos da Índia. Mas as palavras do Corão, entregues pelo Anjo Gabriel a Maomé passaram a ser mal compreendidas. Os seguidores do Islã perseguiam os Hinduístas e sua crença no ciclo eterno da vida.

A resposta à perseguição não poderia ter sido mais espiritual, mais indiana. Guru Hadek, muito antes da Mahatma Gandhi, propões um religião lastreada no amor incondicional e no respeito mútuo. Surge os Sikhs e o Sikhismo. A imagem eurocêntrica que fazemos dos indianos, com seus turbantes envoltos sobre a cabeça, não é senão a imagem Sikh, a imagem de uma minoria.

Abrimos três parágrafos antes de voltarmos a nossa incursão pela espiritualidade Indiana. O primeiro: Da Pérsia, antes dos muçulmanos e antes de Sidarta ter nascido, chegaram na Índia os seguidores de Zaratrusta. O zoroastrismo, que continua vivo na índia, hoje é um pesadelo a saúde publica. Os seguidores de Zaratrusta não admitem que seus mortos sejam enterrados ou cremados. Os corpos devem ser entregues à natureza e as aves de rapina. O segundo: Judeus, e sua existência persistente na Índia, surpreenderam os fundadores do Estado de Israel. Be?t Isreal (“a casa de Israel”) é hoje uma das comunidades judaicas mais antigas e que mantém, na sua liturgia, elementos religiosos perdidos afastados da tradição Sefaradi e Ashkenasi. O terceiro: O Cristianismo, ainda que não dominante, já existia na Índia muito antes das tentativas “civilizatórias” portuguesas ou inglesas. Os primeiros cristãos vieram para a Índia da Etiópia, quando essa era uma potência comercial.

Continuemos: logo os árabes perceberam as riquezas indianas e o valor que estas teriam numa atrasada Europa. Usando como base a identificação com a população muçulmana já estabelecida, passaram a controlar o comércio das especiarias – principalmente cravo, açafrão e pimenta – tão importantes à conservação dos alimentos. Levaram da Índia para a Europa não só temperos, mas o fundamental conceito do zero, o primeiro algarismo, número que dá o valor aos outros números. Na Índia o zero é o “om”, o som da criação do Universo. O “Om” é o som que precede os Mantras dos Yôgues, na sua busca pela paz do Nirvana. Levaram, também ao Ocidente a equação de Baskara, aquela do “x” ao quadrado, terror dos estudantes de segundo grau.

O acesso às especiarias ficava cada vez mais difícil. Numa primeira tentativa, instalam os Portugueses um entreposto na Índia, em Goa. Até hoje, em Goa, tem gente que fala português. A segunda tentativa nos conhecemos: os lusitanos tentam um caminho mais curto e chegam ao Brasil.

Poderíamos dizer, com um pouco de boa vontade, que, se não existissem a Índia e seus temperos não existiria o Brasil. Mas nós podemos ir mais longe. Os portugueses, que ficaram em Goa, descobriram a cana de açúcar (ou “cana índica”) e perceberam que as terras descobertas do outro lado ao Atlântico serviriam ao cultivo do vegetal. Inaugura-se o mais importante ciclo histórico-econômico Brasileiro, o ciclo do açúcar.

Os engenhos surgidos no ciclo do açúcar, com os seus senhores e mão de obra escrava, exclusão e segregação social, marcaram indelevelmente o Nordeste brasileiro, criando uma região marcada pela desigualdade social e pela exploração da mão de obra barata, quando não gratuita. Ao aproximarmo-nos cada vez mais dos acontecimentos que marcam a nossa história recentes, surge a imagem dos milhares de retirantes, fugindo menos da seca e mais da falta de oportunidades, em direção à São Paulo. Lula e sua família estavam entre esses retirantes.

O resto nós sabemos: Lula é eleito, o primeiro representante das classes trabalhadoras na presidência do país. Lula vai à Índia, na busca de uma aliança entre dois dos três mais promissores países emergentes. Promessas são feitas, o interesse de ambas as nações é recíproco. A alta tecnologia indiana encanta os brasileiros. O potencial agrícola e a base industrial Brasileira encantam os Indianos. Nosso Paraná, livre dos inaceitáveis transgênicos, encontra um mercado fabuloso, formado pela segunda maior população preocupada com a qualidade daquilo que consome. A diversidade cultural indiana encontra um paralelo na multiplicidade étnica do Paraná. A Índia instala um escritório de negócios no Brasil. O governo Brasileiro promete fazer o mesmo.

Coincidência?

* Aristides Athayde é advogado, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito de Curitiba e membro da Câmara de Comércio Franco Brasileira e da ICC (International Chamber of Commerce).

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