A responsabilidade civil possui um vasto campo de estudo, com vários compartimentos, cada um deles merecendo um exame monográfico. A responsabilidade profissional é um dos capítulos da responsabilidade civil em geral, preponderantemente contratual. Quem exerce certa profissão deve se comportar dentro de certos parâmetros exigidos para o ofício. O desvio desses parâmetros, ao ocasionar danos, interessa ao dever de indenizar. A presunção a ser seguida é que qualquer pessoa que exerça uma profissão deve conhecer os meandros necessários para fazê-lo a contento.
No tocante à responsabilidade do advogado, entre nós ela é contratual e decorre especificamente do mandato. As obrigações do advogado consistem em defender a parte em juízo e dar-lhe conselhos profissionais. A responsabilidade do advogado, na área litigiosa, é de uma obrigação de meio. Nesse diapasão, assemelha-se à responsabilidade do médico em geral. O advogado está obrigado a usar de sua diligência e capacidade profissional na defesa da causa, mas não se obriga pelo resultado, que sempre é falível e sujeito às vicissitudes intrínsecas ao processo.
No entanto, existem áreas de atuação da advocacia que, em princípio, são caracterizadas como obrigações de resultado. Na elaboração de um contrato ou de uma escritura, o advogado compromete-se, em tese, a ultimar o resultado. A matéria, porém, suscita dúvidas e o caso concreto definirá eventual falha funcional do advogado que resulte em dever de indenizar. Em síntese, o advogado deve responder por erros de fato e de direito cometidos no desempenho do mandato. O exame da gravidade dependerá do caso sob exame. Erros crassos como perda de prazo para contestar ou recorrer são evidenciáveis objetivamente. Há condutas do advogado, no entanto, que merecem exame acurado. Não devemos esquecer que o advogado é o primeiro juiz da causa e intérprete da norma. Deve responder, em princípio, se ingressa com remédio processual inadequado ou se postula frontalmente contra a letra da lei. No entanto, dentro da dialética do direito, toda essa discussão será profundamente casuística. É fora de dúvida, porém, que a inabilidade profissional evidente e patente que ocasiona prejuízos ao cliente gera dever de indenizar. O erro do advogado que dá margem à indenização é aquele injustificável, elementar para o advogado médio, tomado aqui também como padrão por analogia ao bonus pater familias. No exame da conduta do advogado, deve ser aferido se ele agiu com diligência e prudência no caso que aceitou patrocinar.
É dever do advogado encontrar soluções adequadas para as questões que se lhe apresentam. Quanto ao dever de indenizar, cumpre que no caso concreto se examine se o prejuízo causado pela conduta omissiva ou comissiva do advogado é certo, isto é, se, com sua atividade, o cliente sofreu um prejuízo que não ocorreria com a atuação da generalidade de profissionais da área.
Outro aspecto inerente à profissão do advogado é o dever de informar, realçado pelo Código de Defesa do Consumidor. O advogado deve informar o cliente de todos os percalços e possibilidades que a causa traz e das conveniências e inconveniências das medidas judiciais a serem propostas. Essa informação deve ser progressiva, à medida que o caso se desenvolve. Ou seja, em cada situação, ainda que não entre em detalhes técnicos, o advogado deve dar noção das perspectivas que envolvem o direito do cliente e as mudanças de rumo que a hipótese sugere. Aliás, cuida-se de informação da mesma natureza que o médico deve ao paciente. Nesse aspecto, são levados em conta os pressupostos que foram fornecidos pelo cliente: o advogado não pode ser responsabilizado se recebeu dados falsos ou incompletos do cliente, como por vezes ocorre.
O advogado, ao aceitar a causa, assume também a responsabilidade pelas providências preliminares, inclusive preservação de direitos para evitar a prescrição: “O advogado que, por comprovada negligência, não cumpre as obrigações assumidas em contrato de mandato judicial, deixando prescrever o direito de seu constituinte a perceber prestações devidas, tem o dever de indenizar o dano causado em face de sua conduta culposa” (RT 749/267).
Questão complexa é saber se o advogado responde pelo sucesso da causa nos pareceres e opiniões legais. A nosso ver, seu exame deve seguir a regra geral: o advogado deve responder quando comete erro crasso e injustificável, portanto com culpa. Não é necessário que se prove o dolo, como sustentam alguns. O artigo 32 do Estatuto da Advocacia dispõe, aliás, que o advogado é responsável por dolo ou culpa no exercício profissional.
Não olvidemos também que o advogado, tal como os demais profissionais liberais, sujeita-se ao crivo disciplinar de sua corporação, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao Estatuto da Advocacia (Lei n.º 8.906/94) e ao respectivo Código de Ética.
Recorde-se, também, que a responsabilidade pessoal dos advogados é dependente de prova de culpa, conforme posição adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, que manteve a responsabilidade subjetiva para os profissionais liberais.
Na esfera da responsabilidade do advogado, em muitas oportunidades vem à baila sua desídia ou retardamento na propositura de uma ação judicial; perda do prazo de contestar ou recorrer etc. Nesse campo tem aplicação a denominada perda de chance, matéria que por si só enseja um estudo monográfico. Sob esse prisma, deve haver cuidado ao se propiciar a indenização ao cliente ou mandante judicial. Nesse sentido, ilustramos com importante julgado: “Contrato – Rescisão – Honorários de advogado – Excessiva demora da mandatária na propositura da demanda trabalhista para a qual fora contratada, não obstante a fluência do prazo prescricional – Arquivamento determinado – Negligência da ré configurada – Artigo 87, XVIII, da Lei 4.215/63 – Indenização devida pela perda da chance do autor de ver seu pleito analisado – Rescisão do contrato determinada, condenando-se a vencida ao pagamento de 50 salários mínimos mais despesas processuais e honorários de advogado arbitrados em 15% sobre o valor atualizado da condenação – Recurso parcialmente provido” (1.º TACSP, Ap. 0680655-1. 8.ª Câmara, Rel. Costa Telles, v.u., j. 23/10/1996).
O julgado se coloca corretamente porque na perda da chance por culpa do advogado o que se indeniza é a negativa de possibilidade de o constituinte ter o seu processo apreciado pelo Judiciário, e não o valor que eventualmente esse processo poderia lhe propiciar a final. O mesmo se diga quando a parte se vê obstada de o seu processo ser revisto em segundo grau porque o advogado deixa de interpor recurso: “O prejuízo da parte consiste na perda da possibilidade de ver apreciado o mérito da causa na instância superior. Não se configurando qualquer causa de exclusão de responsabilidade civil do advogado, impõe-se a procedência do pedido indenizatório, com fixação da indenização através de arbitramento em liquidação de sentença, levando-se em conta que o dano corresponde apenas a perda de uma chance” (TJPR, Ap. 833, Rel. Des. Carlos Hoffmann, 5.ª Câmara Cível, publ. 22/04/1996). Embora o aspecto da perda da chance não seja ainda muito esmiuçado na doutrina brasileira, nota-se que os tribunais têm dado pronta resposta à tese, quando ela se faz necessária no caso concreto.
O segredo profissional é outra imposição ao advogado, como em outras profissões liberais. Assim, responde perante o cliente se divulgar fatos que soube em razão da profissão e, dessa forma, acarretou prejuízos à parte. Nesse sentido, é direito do advogado recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional (artigo 7.º, XIX da Lei n.º 8.906/94).
Silvio Venosa é advogado e juiz aposentado do PrimeiroTribunal Civil de Alçada de S. Paulo.