1. A previsão constitucional
O parágrafo único do art. 7.º da CF/88 assegura à categoria dos trabalhadores domésticos a integração à previdência social e mais os seguintes direitos: salário mínimo (inciso IV), irredutibilidade do salário (VI), décimo terceiro salário (VIII), repouso semanal remunerado (XV), férias anuais acrescidas de um terço (XVII), licença à gestante (XVIII), licença-paternidade (XIX), aviso prévio (XXI), e aposentadoria (XXIV).
2. A constitucionalidade do art. 118 da Lei 8.213/91
Segundo dispõe o art. 118 da Lei n.º 8.213/91 “o segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente”.
No debate doutrinário sobre a constitucionalidade desse dispositivo, Octávio Bueno Magano assim se manifestou: “Ao dispor a Constituição que a garantia da relação de emprego se estabelece mediante lei complementar, indica claramente que não poderá ser nunca objeto de lei ordinária. Mais não é necessário a fim de se concluir pela inconstitucionalidade do artigo 118, da Lei n.º 8.213/91, ao atribuir estabilidade por doze meses ao segurado da previdência vítima de acidente do trabalho” (Acidente do trabalho não gera estabilidade. Revista LTr, vol. 56, n.º 12, Dezembro de 1992, p. 1426).
Em sentido diametralmente oposto, prelecionou Nei Frederico Cano Martins: “pode o legislador ordinário, sim, estabelecer quantos tipos de estabilidade provisória no emprego entenda sejam necessários, desde que para atender a situações peculiares. O que é vedado ao legislador é o estabelecimento de estabilidade que se estenda à generalidade dos trabalhadores. Tal tipo de garantia, aliás, sequer por lei complementar poderá vir a ser criada, ao menos enquanto prevalecer a atual redação do inciso I, do artigo 7.º, da Lei Maior” (A estabilidade provisória do trabalhador acidentado na nova lei previdenciária. Revista LTr, Vol. 56, n.º 10, Outubro de 1992, p. 1190).
O E. STF não concedeu liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade quanto a esse dispositivo legal (ADin 639 – (Medida Liminar) n.º. 639-8-DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 22.5.92), prevalecendo, pois, sua constitucionalidade, pelo menos enquanto não houver posicionamento final da mais alta Corte do País (vide AC. 1.ª T, 64.012-7/94, 30.11.94, TRT 2.ª R. Rel. juiz Floriano Corrêa Vaz da Silva, Rev. LTr. Vol. 59, n.º 03, março de 1995, p. 391-392).
O C. TST pacificou a controvérsia ao dispor, através da Orientação Jurisprudencial n.º 105 da SDI I: “Estabilidade provisória. Acidente de trabalho. É constitucional o art. 118, da Lei n.º 8.213/91” (inserida em data de 1.10. 97).
3. A estabilidade acidentária para o doméstico
Remanesce, entretanto, a dúvida em saber se esse dispositivo alcança ou não os trabalhadores domésticos.
3. 1. O posicionamento da doutrina
Sérgio Pinto Martins, em obra específica sobre o tema, assevera: “O empregado doméstico que eventualmente sofra acidente do trabalho não terá direito a qualquer prestação da Previdência Social, pois o empregador não recolhe prestação de custeio de acidente do trabalho. O art. 19 da Lei n.º 8.213/91 menciona que o acidente do trabalho é o que ocorre quando o trabalhador está a serviço da empresa. Acontece que o empregador doméstico não é considerado empresa nem tem por objetivo atividade lucrativa. Logo, ainda que exista o acidente do trabalho com o empregado doméstico, este não fará jus a qualquer prestação da Previdência Social, como auxílio-acidente, auxílio-doença-acidentário ou aposentadoria por invalidez acidentária” (Manual do trabalho doméstico. 5.ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 126).
A esse respeito, e no mesmo sentido, manifestam-se Rodolfo Pamplona Filho e Marco Antônio César Villatore: “o doméstico que sofra algum acidente no decorrer da sua jornada laboral não estará coberto pela legislação previdenciária relativa a acidentes de trabalho. Tal afirmação é corroborada, ainda, pelo fato de o empregador doméstico não estar obrigado a recolher prestação de custeio de acidente de trabalho” (Direito do trabalho doméstico. São Paulo: LTr, 1997, p. 96).
Referem Lidia Maejima e Neide Akiko Fugivala Pedroso que: “O empregador doméstico não é contribuinte da obrigação de custear as prestações acidentárias (CF, art. 7.º, inciso XVIII, e Lei n.º 8.213. art. 18 § 1.º), por isso, o acidente de trabalho do empregado doméstico é tratado como acidente comum, sem a obrigação de emissão do CAT – Comunicado de Acidente de Trabalho” (Manual prático do empregador doméstico. São Paulo: LTr, 2003. p. 85).
Havendo acidente de trabalho, o empregado doméstico deve comprovar, por atestado médico, sua ausência ao serviço, devendo o empregador (segundo as autoras mencionadas) pagar o salário e o descanso semanal remunerado nos primeiros quinze dias; se houver incapacidade por mais de quinze dias consecutivos”, o empregado doméstico terá direito ao benefício previdenciário (pago pelo INSS) denominado “auxílio-doença” a partir do início da incapacidade” (ob. e p. cit).
3. 2. A orientação da jurisprudência
Consoante o 2.º TACSP decidiu, por sua 2.ª Câm., na Ap. 26-243-SP, em acórdão relatado pelo Juiz Joaquim Francisco: “Os benefícios da lei acidentária ainda não foram concedidos aos empregados domésticos razão pela qual o beneficiário eventual é carecedor de ação de acidente de trabalho, ressalvada a via ordinária de responsabilidade civil por ocorrência de dolo ou culpa do empregador doméstico”.
Recentíssima decisão adotada pela E. 2.ª T. do TRT da 9.ª Região, no entanto, adotando fundamentação do Exmo. Juiz Eduardo Milléo Baracat, assentou fazer jus o trabalhador doméstico à estabilidade no emprego de doze meses após a aptidão para o trabalho, uma vez comprovado o acidente de trabalho à luz da Lei n.º 8.213/91, art. 19 (ROPS-00121/2003, Processo TRT-PR-51.210/2002-665-09-00-1, Sessão de 15.5.03). O principal argumento da decisão é que afrontaria “o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, previsto no art. 194, I, da Constituição, a alegação de que o art. 118 referido não se aplica aos empregados domésticos porque empregador doméstico não é empresa e, portanto, não recolhe prestação de custeio de acidente de trabalho”.
No erudito voto de Sua Excelência, acolhido pela E. Turma, está consignado que: “A lei ordinária não pode contrariar a Constituição. Assim, quando a Constituição prevê que a Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social) será universal, não permite que a lei ordinária exclua qualquer trabalhador do seu alcance protetor”.
Desse modo, adotou a E. 2.ª Turma do TRT da 9.ª Região precedente importante no sentido que o art. 118 da Lei n.º 8.213/91 não exclui o trabalhador doméstico da proteção da dispensa arbitrária até doze meses após a aptidão do empregado para o trabalho.
4. Conclusão
O tema trazido a público é polêmico. A decisão oriunda da E. 2.ª T. do TRT da 9.ª Região levanta a necessidade de o legislador ordinário ampliar as hipóteses de cabimento de prestações por acidente do trabalho, para que fique sem qualquer dúvida a proteção aos empregados domésticos nesse aspecto, evitando-se, também, a surpresa e eventuais prejuízos econômicos dos empregadores domésticos.
Luiz Eduardo Gunther e Luiz Celso Napp
são juízes do TRT da 9.ª Região.