Pelo fato dos transgênicos se apresentarem como uma questão internacional, suscitando polêmicas diversas, de ordem social, política, econômica, moral e, sobretudo, jurídica, torna-se necessária uma análise inicial do problema sob a ótica mundial para, em seguida, proceder-se ao exame no Brasil.
1 Panorama Mundial
Nos Estados Unidos a legislação disciplinadora dos OGMs é a mais flexível que existe no mundo, pois os componentes transgênicos presentes em alimentos são considerados simples aditivos, não precisando da aprovação do FDA (Food and Drug Administration). As empresas de biotecnologia conseguiram convencer ao FDA, órgão fiscalizador do governo americano no tocante a alimentos e remédios, que os transgênicos são inofensivos, semelhantes aos alimentos tradicionais, não precisando dos fabricantes e produtores informar aos consumidores a composição transgênica dos alimentos postos à venda.
A Empresa Monsanto, maior produtora de soja transgênica do mundo, tem passe livre nos Estados Unidos, já que 60% dos alimentos consumidos naquele país é constituído de transgênicos, considerando-se um tanto exagerada a reação verificada em outros países quanto à sua produção e consumo.
Para a União Européia os transgênicos ainda não foram adequadamente testados, não se conhecendo os seus reais efeitos sobre o organismo humano, animal e sobre o meio ambiente em geral. Exemplos recentes dos males causados pelo consumo de transgênicos por animais são a disseminação da doença da vaca louca e da doença em frangos belgas, contaminados com rações e farelos produzidos a partir de restos ou grãos geneticamente modificados. Desde 1997 a União Européia exige que conste das embalagens que os produtos alimentícios sofreram uma reengenharia do DNA. Os europeus resistem grandemente ao consumo de transgênicos, havendo preferência por alimentos naturais.
Atualmente, as plantações transgênicas se espalham por todo o mundo, como, por exemplo: nos Estados Unidos são produzidos, dentre outros, os seguintes alimentos modificados: melão, soja, tomate, algodão, milho, canola e batata. Na Europa são plantados estes mesmos alimentos, em menor escala, com exceção do melão; na Argentina já se produzem soja, milho, e algodão transgênicos; no Brasil se alega que estes produtos ainda não são comercializados em larga escala, mas se sabe que tais informações não são confiáveis, porque há a deliberada intenção de esconderem-se as pesquisas da maioria da população. Na Noruega é permitido o cultivo e a produção de alimentos desde que sejam observados certos critérios estabelecidos pela lei. No Japão há um controle rigoroso da produção de tais alimentos, exercidos pelo Ministério da Saúde, em conjunto com os Ministérios da Agricultura, Pesca e Floresta e da Ciência e Tecnologia, além do Comitê de Biossegurança, estes órgãos submetem os alimentos transgênicos a inúmeros testes antes de sua liberação para produção.
Em outros países, como a Inglaterra, Nova Zelândia, França, Austrália, Índia, África do Sul, Canadá e Espanha a legislação é mais rigorosa, por razões de proteção da saúde e do meio ambiente.
2 No Brasil
No Brasil existem diversos órgãos encarregados da fiscalização dos alimentos transgênicos, como o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança)
A regulamentação da pesquisa, produção e exposição à venda de produtos alimentícios transgênicos, no país, obedece, primeiramente, a princípios constitucionais :
a) Art. 225, parágrafo 1.º, incisos II e V: preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético do país; e promoção da sadia qualidade de vida e do meio ambiente;
b) Art. 225, parágrafo 1.º, IV: necessidade de estudo prévio do impacto ambiental, de qualquer atividade (onde se incluem os transgênicos) que possa ameaçar o meio ambiente.
Destaca-se, ainda, a Lei n.º 8.974, de 5 de janeiro de 1995, que estabelece normas para o uso de técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, autorizando a criação da CTNBio, e regulamentando o que dispõe a Carta Constitucional de 1988, no seu art. 225, parágrafo 1.º, incisos II e V, já citados.
Quanto à rotulagem de alimentos embalados que contenham ou sejam produzidos com organismos modificados dispõe o Decreto n.º 4.680, de 24 de abril de 2003. Trata-se de importante conquista dos consumidores brasileiros, visto que hoje, foi revogado o percentual estabelecido no Decreto n.º 3.871 de julho de 2001, de 4% (quatro por cento) de tolerância e diminuído para 1% (art. 2.º). Assim, se o produto contiver até esse percentual não há necessidade de rotulagem do produto posto à venda, ficando o consumidor desinformado desta composição. Alega-se que é um percentual inofensivo, que em nada altera o sabor, a qualidade ou ameaça a saúde do consumidor. Todavia, a desinformação não decorre apenas da ausência de rotulagem, mas da própria ignorância do consumidor quanto à natureza dos “alimentos modificados”.
Neste sentido, veja-se o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990, em seu art. 12: “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos caudados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.
3 Conclusão
Há uma diversidade de leis, decretos, decretos-lei, instruções normativas, recomendações, etc sobre a matéria todavia, foram destacadas apenas as principais.
Resta acrescentar que no dia 9 de maio de 2003 um grupo de aproximadamente 800 pessoas invadiu em Ponta Grossa, no Sul do Paraná, uma estação de pesquisas da Monsanto, destruindo plantações de experimentos em soja e milho transgênicos. O grupo, liderado pelo MST, PastoraL da Terra, Federação da Agricultura Familiar e organizações estrangeiras destruíram e queimaram, aproximadamente, 4,5 hectares de milho RR, 0,5 de milho convencional e 15 hectares de coberturas, além de parte do escritório e outras instalações.
Atitudes como estas em nada contribuem para o esclarecimento do problema, representado, na verdade, ofensa ao direito de propriedade, previsto, constitucionalmente, no art. 5.º. A conscientização e a defesa do consumidor quanto aos transgênicos, à sua natureza, efeitos, técnicas utilizadas, etc somente virão através da educação e não da violência. O papel do legislador está, justamente, em regulamentar a pesquisa, fiscalização, efeitos e consumo dos OGMs.
Maria da Glória Colucci
é mestre em Direito Público, professora da Faculdade de Direito da UFPR e da Faculdade de Direito de Curitiba.