A tributação existe como forma de realização da justiça social, para que se alcance uma vida digna para todos.
É inolvidável que um sistema tributário bem aplicado é um poderoso instrumento de realização de justiça, mal aplicado é uma afronta ao Estado Democrático de Direito.
Dentre os princípios estabelecidos no Estatuto do Contribuinte, encontramos os limites mínimo e máximo da tributação consolidados nos princípios da capacidade contributiva e da vedação do confisco.
O Poder Público deve buscar nas receitas tributárias suas fontes principais de recursos, sem, no entanto, afrontar a direito de propriedade e a dignidade dos indivíduos.
A observância rigorosa do princípio da Capacidade Contributiva é uma forma de realização da moral tributária do Estado e tem como principal conseqüência a realização da justiça fiscal, mediante a oneração daqueles que manifestem maior capacidade contributiva.
Capacidade Contributiva pressupõe capacidade econômica, que corresponde à potencialidade econômica, aptidão para contribuir por possuir patrimônio renda ou disposição desta através de consumo.
O respeito à dignidade humana acarreta a intributabilidade do mínimo existencial, porquanto este seria o limite mínimo de ausência de capacidade contributiva. A renda auferida e consumida com os gastos necessários para uma vida digna deve ser excluída da tributação para fins de aferição de capacidade contributiva.
No que diz respeito à propalada Reforma Tributária, é difícil a análise do tema sob uma perspectiva exclusivamente jurídica, porque em relação ao mesmo impera a lógica econômica (reforma-se para colocar-se a economia brasileira nos trilhos do desenvolvimento), no entanto, quem vai mais uma vez ?pagar a conta? é o contribuinte, não aquele que pode pagá-la por possuir maior poder aquisitivo, mas o contribuinte assalariado que, além de arcar com mais carga tributária poderá engrossar as estatísticas do desemprego no país, pois com a reforma, também o setor produtivo será onerado e o aumento da tributação sobre o setor produtivo poderá levar a conseqüências como o desemprego e a recessão, obstando o crescimento do país.
Vivemos em um permanente ?estado de reformas?. Desde a promulgação da Constituição de 1988, já tivemos 45 emendas, sendo que grande parte delas atingiram a tributação. Todos aqueles que se candidatam para dirigir o Poder Executivo, no âmbito federal, têm como plataforma comum a reforma da Constituição. O que causa perplexidade é que com isso a Constituição deixa de ser um instrumento para limitar e direcionar o governo, transformando-se em um instrumento de realização das políticas governamentais.
Não se discute que as reformas constitucionais sejam necessárias para adaptar suas normas à realidade e ao momento em que estão sendo aplicadas, no entanto, há um mecanismo informal de alteração da Constituição, de extrema eficiência, que proporciona este mesmo resultado, denominado de ?mutação?, o qual altera o sentido da norma, sem modificar a letra do Texto, adaptando-o à realidade em que está sendo aplicado.
Sem que tenha sido aprovada a reforma tributária já temos uma das cargas tributárias mais altas do mundo, apesar de estarmos longe de um serviço público satisfatório que atenda às expectativas e necessidades da sociedade. Com a reforma, a carga tributária chegará a 40% do PIB, o que coloca o nosso País em segundo lugar no ranking mundial, só perdendo para a Suécia (47%).
É certo que pagamos por serviços que muitas vezes não são prestados ou não o são a contento.
Tantas vezes a carga tributária que paira sobre o cidadão foi aumentada, sob o argumento de que esta seria a solução para sanear as contas públicas, mas isso nunca aconteceu. Os constantes aumentos da carga tributária não propiciaram o aumento de vagas nas instituições públicas de ensino. Sendo certo que o Estado nunca cumpriu a sua parte quando alterou a Constituição ou a legislação infraconstitucional para o fim de aumentar a carga tributária do cidadão, é certo também que não o fará desta vez.
Se verdadeiros fossem os argumentos postos na exposição de motivos, com a reforma tributária estaríamos próximos ao paraíso e à plena realização do Estado Democrático de Direito, mas o fato é que da forma como está sendo proposta, a reforma não acarretará os benefícios apontados pelo Sr. ministro e chefe da Casa Civil.
Sem resolver o problema da insuficiência de arrecadação, e do ônus tributário que recai sobre o setor produtivo, dificultar-se-á o crescimento do país.
Se as alíquotas fossem fixadas por baixo, o contribuinte não seria onerado, mas os estados perderiam.
A exposição de motivos fala ainda em fortalecimento da federação, mas isto definitivamente não acontecerá, já que a reforma prevê que a legislação federal é que disporá sobre ICMS, um tributo da competência privativa dos estados.
Nesse sentido, a proposta de reforma tributária afronta o princípio federativo já que viola a autonomia que os Estados possuem para legislarem relativamente aos tributos de sua competência impositiva.
Não há qualquer norma inserta no Projeto de Reforma Tributária que propiciará com eficiência a redistribuição de riqueza e a justiça social, fazendo com que pague mais quem tem mais, neste sentido o projeto é insuficiente.
Assim, se não for possível evitar as constantes reformas do texto constitucional, ao menos espera-se que os direitos fundamentais não sejam desrespeitados, pois, até hoje, nenhuma alteração da Constituição deixou de atingi-los.
O Estado brasileiro há que ser modernizado, a fim de tornar-se ágil, só assim não necessitaremos de reforma tributária.
Betina Treiger Grupenmacher é advogada. Professora adjunta de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.e-mail: betinatg@uol.com.br