O Brasil é um país onde a maioria dos trabalhadores é informal. São pessoas sem direito a salários fixos ou previsíveis, férias anuais, fundos e garantias, sem lenço e sem documento. Para eles, a lei maior (e o milagre) é sobreviver. Por isso, mais importante que a reforma da Previdência, há que se pensar em reformar o sistema econômico, para dar oportunidade a essa gente toda: gerar empregos, tirar milhões da informalidade, aumentar o número de contribuintes, incentivar a produção em vez da especulação. Esse, que era o discurso do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, mais do que nunca assume tom de verdade nessa quebradeira geral que já começa a se desenhar em todos os horizontes da vida nacional, com tendência a aumentar ainda mais a gravidade de um quadro já negro.
A confirmar isso está um estudo recentemente anunciado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais, 54,3% – ou mais da metade da população ocupada do País – não contribuem para a Previdência. Isso significa, em números absolutos, cerca de quarenta milhões de pessoas. Para eles, a Previdência é uma miragem.
Segundo o estudo, o grosso da contribuição previdenciária vem de trabalhadores com carteira assinada, que totalizam 61% do universo de contribuintes. Em seguida vêm os empregadores, com 58,1%, e os trabalhadores domésticos, com 26,1%. Os recursos amealhados através da contribuição de trabalhadores autônomos significam apenas 14,9% do bolo inteiro. Mas os brasileiros contribuintes significavam apenas 45,7% da população ocupada no correr do mesmo ano de 2001. Fora da média, existem regiões, como a da Grande Porto Alegre, cujo índice de contribuição supera a marca dos 62%. Em contraposição, no Maranhão, os que não contribuem chegam a quase 85% da população ativa. Ou (mais ou menos) ocupada.
É lógico que essa realidade não ajuda em nada um sistema previdenciário, já gigante em função do gigantismo territorial e populacional brasileiro. Toda a briga instalada em torno da reforma previdenciária, discutindo direitos e privilégios (alguns milionários), pode perder um pouco o sentido, já que não atende ao interesse da maioria que continua à margem do debate. Pelo contrário, agrava ainda mais o fosso entre os que têm e os que nada têm, como se já não existisse um abismo entre os direitos dos inscritos na chamada previdência privada e aqueles que fazem parte dos subordinados ao regime do funcionalismo público.
Assim, também por esse caminho assiste razão aos que esboçam um discurso para fazer ver que esse da Previdência é um falso debate. Nossos problemas, embora sejam ingentes nessa área, não residem necessariamente aqui; têm a ver, antes, com a exclusão de imensas camadas daquilo que deveria ser um direito básico – o do trabalho regular e protegido pela malha legal de que a cidadania de primeira classe goza. Excluídas do trabalho regular, essas hordas de brasileiros e brasileiras acabam excluídas, além da Previdência, também de outros bens e serviços básicos, como a educação adequada, a saúde mínima, a alimentação essencial, a habitação pelo menos higiênica e por aí afora.
Tudo isso, nem a reforma da Previdência, nem aquela tributária baseada na tributação sempre maior de poucos enquanto outros nada pagam ou nada podem pagar e, por isso, muito pouco recebem, haverá de resolver. Nem elevará a auto-estima do brasileiro mediano, coisa sonhada por Lula em seu discurso de posse, para a realização da esperança que já não embala tantos sonhos. A verdadeira reforma de que o Brasil precisa não está sendo debatida no Congresso.