O projeto de emenda à Constituição Federal de 1988 que introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário foi apresentado em 1992, na Câmara dos Deputados, redigido pelo então deputado federal Hélio Bicudo e subscrito pela maioria dos parlamentares daquela Legislatura. Doze anos após, uma primeira parte desse projeto, modificado pelas centenas de emendas apresentadas e diversos substitutivos de deputados federais e senadores, está aprovada e, definida a redação final, será promulgada pelo Presidente do Senado Federal. O restante dos pontos não consensuais, serão remetidos a exame da Câmara dos Deputados e pontos sob nova redação ainda permanecerão em debate no Senado Federal.
Os pontos relacionados diretamente com a Justiça do Trabalho são os seguintes: (1) o direito fundamental (art.5.º, LXXVIII) da razoável duração do processo e quanto aos meios que garantam a sua celeridade (2) atividade jurisdicional ininterrupta (3) proibição do exercício da advocacia por três anos pelos magistrados aposentados perante tribunais e juízos de origem (4) admissibilidade do recurso extraordinário mediante a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais em análise no processo (5) a súmula vinculante fixada pelo STF (6) criação do Conselho Nacional de Justiça com quinze membros, dentre eles um ministro do TST, um juiz dos TRTs e um juiz das varas do trabalho (7) TST constituído por 27 ministros (8) criação da escola nacional de formação e aperfeiçoamento dos magistrados do trabalho no TST (9) criação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho no TST (10) manutenção das varas do trabalho e competência aos juízes de direito onde não houver a jurisdição da vara do trabalho (11) constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho definidos em lei (12) ampliação da competência (13) especificações sobre a negociação coletiva e dissídios coletivos do trabalho (14) designação dos juízes dos TRTs como desembargadores federais do trabalho (15) justiça itinerante determinada pelos Tribunais Regionais do Trabalho e constituição de Câmaras Regionais (16) criação, por lei, do Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas.
A norma constitucional emendada estabelece que "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar" (art.114), ao contrário da atual redação de "conciliar e julgar", excluindo a característica histórica da precedência da conciliação em relação ao julgamento como mandamento constitucional. No que concerne à competência destacam-se: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta, exceto os servidores ocupantes de cargo criado por lei, de provimento efetivo ou em comissão, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações públicas; II – as ações que envolvam exercício do direito de greve; III – as ações sobre representação de entidade sindical de qualquer grau, entre entidades sindicais, entre entidades sindicais e trabalhadores ou entre entidades sindicais e empregadores; IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102,I,o; VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais decorrentes das sentenças que proferir; IX – a reclamação para preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; X – os litígios que tenham origem no cumprimento de seus próprios atos, sentenças, inclusive coletivas; XI – na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho.
No plano do direito coletivo a competência dirige-se, em especial, às ações que envolvam o direito de greve. No caso de atividade essencial, o Ministério Público poderá ajuizar dissídio coletivo. A negociação coletiva, se frustrada, possibilitará, facultativamente, a eleição de árbitro, como no texto atual. Mas se houver recusa à arbitragem, o dissídio coletivo de natureza econômica somente poderá ser ajuizado "de comum acordo" entre as partes, possibilitando julgamento do conflito "respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente". Esta condição consensual para ajuizamento do dissídio coletivo na prática poderá extinguir as ações coletivas para o estabelecimento de normas salariais e de trabalho às categorias profissional e econômica. A matéria, face a lesão de direito fundamental (art.5.º, XXXV, CF/88) poderá ser questionada constitucionalmente perante o STF. Outra inovação é a competência face as ações de representação sindical, entre entidades sindicais, entre entidades sindicais e trabalhadores e entre entidades sindicais e empregadores, hoje competência da Justiça Comum. Esta matéria envolve relativa complexidade diante de grande número de litígios onde trabalhadores e empregadores disputam o espaço sindical, sendo, de imediato, as ações em tramitação remetidas à Justiça do Trabalho.
Importantes pontos em relação a "ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho", "mandados de segurança, habeas corpus e habeas data quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição" e diante dos "conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista". Avança significativamente para "as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho". Finalmente, completa a extensão reformista a competência para julgar "a reclamação para preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões" e executar, "de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais decorrentes das sentenças que proferir", atribuição destinada a favorecer os cofres públicos, no mesmo rumo de recentes mudanças legislativa em favor do INSS. Entretanto, a competência para execução de multas por infração à lei trabalhista e dos tributos federais permanece na dependência de aprovação na Câmara dos Deputados. Foi excluída a possibilidade de criação dos juizados especiais de causas trabalhistas. O dispositivo sobre organismo extrajudicial de conciliação, mediação e arbitragem também seguirá para novos debates na Câmara dos Deputados.
O Ministro Presidente do TST Vantuil Abdala considerou muito positiva a reforma, salientando, em especial, (a) a ampliação da competência (b) a criação da Escola Nacional da Magistratura do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (c) o aumento do número de ministros de 17 para 27. Os presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, da Associação dos Juízes Federais, Jorge Maurique, e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Grijalbo Coutinho, pronunciaram-se contra a aprovação da súmula vinculante, por concentrar mais poderes na cúpula do Judiciário, quebrando a independência e a liberdade do juiz na forma de julgar. Busato assinalou que a súmula vinculante "vai se transformar no rolo compressor da cúpula do Judiciário sobre a grande maioria dos juízes de primeiro e segundo graus" e completou: "o Congresso Nacional cometeu um erro histórico contra a população brasileira".
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DÍVIDA EXTERNA: O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou o envio ao Supremo Tribunal Federal de uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, solicitando a instalação de uma nova Comissão Mista no Congresso Nacional, que terá força de Comissão Parlamentar de Inquérito, com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no artigo 26 do Ato das Disposições Transitórias da CF/88, visando "o exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro". A dívida pública externa atingiu 235 bilhões de dólares e a dívida pública interna se aproxima de um trilhão de reais. Serão 71 bilhões de reais para pagamento, em 2004, dos juros da dívida pública, enquanto que os recursos para investimentos públicos estão orçados em 12 bilhões de reais.
DÍVIDA AO INSS: Até 30 de setembro a dívida das empresas inscritas na dívida ativa era de 76,9 bilhões de reais. A lista divulgada pelo Ministério da Previdência Social não incluiu as empresas que estão negociando administrativamente seus débitos com o INSS. Tudo somado, a dívida é de 119 bilhões de reais, abrangendo 236 mil empresas. Destas, 15,7 mil empresas devem 101 bilhões de reais (85%) (Julianna Sofia, Folha de S.Paulo,2011/04).Tratando-se de sonegação tributária e apropriação indébita do salário do trabalhador no que concerne ao percentual descontado de seu salário a título de taxa previdenciária, não há notícia dos processos crimes ou de prisões decorrentes do assalto ao dinheiro público e do trabalhador.
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Memória: "Somente uma sociedade aberta – democrática e pluralista – é apta para um verdadeiro desenvolvimento social. Mas como desconhecer que nos países do Terceiro Mundo – dadas as condições atuais de entrosamento internacional dos sistemas produtivos e dos circuitos financeiros – as estruturas de privilégios praticamente são irremovíveis? Empiricamente se comprova que nos países ricos a sociedade é cada vez mais homogênea, e no mundo subdesenvolvido ela é cada vez mais heterogênea. Não surpreende, portanto, que esta época de grande enriquecimento da humanidade seja também de agravação da miséria de uma ampla maioria. O avanço político, que é o mais difícil e importante de todos que logra o homem, faz-se aprendendo a administrar conflitos. Daí que só as sociedades democráticas o realizem com segurança. Trata-se de manter a sociedade aberta, num mundo de crescente interdependência, preservando e exercendo a capacidade de autogoverno. É um problema com mais incógnitas do que equações. Mas será que existe solução para todos os problemas que envolvem o destino dos homens? (em homenagem a Celso Furtado, do seu livro "Os Ares do Mundo", dezembro, 1990).
Edésio Passos é advogado. E.mail: edesiopassos@terra.com.br.