O governador do Paraná, Roberto Requião, tem legitimidade para romper os contratos com as concessionárias de rodovias federais no Paraná porque se elegeu prometendo baixar – ou acabar – com os altos pedágios cobrados dos que por elas transitam. Se o povo não quisesse que isso fosse colocado em prática, teria votado noutros candidatos.
O ensinamento é do ministro-chefe da Casa Civil do governo federal, José Dirceu, a quem alguns atribuem superpoderes e cuja desenvoltura e mando tem incomodado até antigos “companheiros”. Ele assim manifestou-se durante a última visita ao Estado que, sabe-se agora, conhece bem há muito tempo. A pergunta que lhe foi feita durante uma entrevista que concedeu à imprensa regional serviu para duas coisas: reforçar a posição de Requião em sua guerra contra as concessionárias e, ao mesmo tempo, esvaziar possíveis argumentos tendentes a buscar o espelho do governo da União para manter o status quo em tempo de retração dos cofres públicos.
Sabia o ministro Dirceu que qualquer outra resposta encontraria, além da antipatia do governador aliado, a ira dos eleitores de um Estado que se sente lesado por contratos realizados – como se cansou de dizer – a portas fechadas. Se Requião está cumprindo o que prometeu, nada lhe pode ser censurado. O contrário seria despido de qualquer legitimidade. Em outras palavras, seria ato de pública traição, jogada de má-fé e coisas do gênero (a matéria fatalmente passará, no caso de não haver um acordo entre o governo e as concessionárias, por apreciações do gênero nos foros da Justiça).
Tomemos o raciocínio de José Dirceu para aplicá-lo em outras circunstâncias. Teria legitimidade, o governo a que serve o próprio ministro, para implementar ações contrárias às expectativas alimentadas durante a campanha do presidente Lula? Claro que não, responderiam os alunos – e eleitores – em coro uníssono. Mais que isso: não sendo Lula um candidato neófito, e pertencendo ele a um partido de posições claras e marcadas sobre uma série de questões, como encarar o que está acontecendo em Brasília, nas negociações da reforma tributária?
A sensação que se tem aqui na planície é que no Planalto montou-se – além de um bom negócio entre os interessados -um grande complô contra os contribuintes. Dispensem-se aqui comentários acerca de aspectos da reforma da Previdência. Fiquemos apenas com a discussão sobre os tributos, que rende ao governo satisfações infinitas por ver sua proposta encaminhada para a aprovação pretendida. Embora ninguém possa deixar de acreditar que o governo faça a reforma sem um aumento da carga tributária (como argutamente observou o empresário Antônio Ermírio de Moraes), era de se esperar o mínimo de consideração com os contribuintes por parte dos que subiram a rampa prometendo uma nova relação de respeito e consideração para com o povo. Pois é exatamente o povo – empresários, consumidores e cidadãos em geral – que está sendo esquecido neste momento em que a voracidade do Estado em seus três níveis se aproveita da onda reformista para melhor garantir a higidez dos cofres públicos. A CPMF, por exemplo, tão combatida nos palanques, é agora defendida em todos os gabinetes – menos naqueles da Saúde, para cuja finalidade específica foi criada.
O presidente Lula se elegeu depois de seu partido ficar quase duas décadas batendo no martelo que inviabilizou “caprichos” (ou promessas) de governos anteriores. Tirou proveito eleitoral e agora, no poder, se apresenta perante o eleitor com outra face, esculpida pelo cinzel da ilegitimidade, para ficar no âmbito dos ensinamentos do ministro José Dirceu. Que dirá o governador Roberto Requião, em sua legitimidade, quando forem instaladas as praças de pedágio na rodovia Curitiba-Joinville, recentemente anunciadas pelo governo federal, mas anatematizadas durante dois célebres debates em que o atual governador foi protagonista?