Tornou-se lugar-comum dizer que o Judiciário é um dos pilares fundamentais da democracia. De fato, sem Justiça, o poder estaria com a força. A lei do mais forte, por mais ignominiosa, ainda vigoraria, e a barbárie continuaria a espalhar o horror sem limites da violência sanguinária. Já houve época em que a Justiça não passava de mera utopia, porque a depender da magnanimidade de quem detinha o poder. Felizmente, as instituições se consolidaram, embasando um Judiciário independente e organizado, no qual todos os cidadãos podem e devem confiar, daí resultando necessariamente, em um verdadeiro mecanismo retroalimentar, numa democracia cada vez mais forte.
Não há dúvidas: quanto maior for o grau de confiabilidade dos cidadãos no Judiciário, mais respeitadas serão as normas e princípios que asseguram a convivência social pacífica. Em síntese, sem leis, não há pacto social duradouro; a harmonia, o difícil equilíbrio nas relações humanas dependem fundamentalmente da observância desses ‘estatutos de tolerância’ que norteiam o convívio entre os homens, seres por natureza tão belicosos. Essas assertivas são tanto mais fáceis de comprovar quanto mais desenvolvida a comunidade. Não é por acaso que são absurdamente mais elevados os níveis de corrupção e da violência nos lugares em que a prestação jurisdicional não se mostra de todo eficaz, quer por ausência de celeridade, ou por excesso de burocracia, ou pela simples obsolescência dos instrumentos jurídicos ou dos meios jurisdicionais.
Se longínquo é o caminho a percorrer até a definitiva realização da Justiça, tíbia se revelará a vontade de diligentemente atender aos seus ditames. Ao reverso, se a mão da Justiça afigura-se ágil e eficiente, até o mais temerário dos infratores haverá de avaliar com maior rigor o alto preço da desobediência e, assim, talvez a oportunidade desaconselhe mesmo os gatunos mais destemidos, parafraseando o grande mestre Machado de Assis, para quem a ocasião faz o furto, porque o ladrão já nasce feito.
Elemento basilar nesta seara, sem o qual não vingaria qualquer semente, a garantia constitucional de acesso à Justiça representa para os cidadãos a única certeza de que pelo menos serão ouvidos. Num país marcado por flagrante desigualdade social, em que a miséria absoluta da maioria se posta ao lado da ostentação aviltante de pouquíssimos, quadro que de maneira alguma parece sensibilizar os governantes, o fato de tal garantia constar da Constituição da República, espinha dorsal de todo o aparato normativo brasileiro, representa pelo menos uma esperança, talvez a única à qual se apegam, em última instância, os que mais necessitam de amparo. Essa garantia, no entanto, não se esgota somente na simples providência de colocar-se à disposição da sociedade seções de protocolos nas varas e tribunais. Antes, alcança a seqüência do processo de forma organizada e eficiente, de modo a obter-se prontamente a definitiva decisão pleiteada.
Não pode o juiz, em nenhuma hipótese ou a qualquer título, descurar-se, por um instante sequer, da atenção meticulosa ao devido processo legal, o que significa dizer que deve se empenhar ao máximo para que sejam esgotados todos os meios e recursos viabilizadores do exercício, à exaustão, do direito de defesa. Nesse contexto, destaca-se sobremaneira a publicidade dos atos processuais, a divulgação destes, a fim de que as partes e a sociedade possam acompanhar, pari passu, o dia-a-dia do Judiciário. Pedagogicamente, a Carta preceitua, no inciso IX do artigo 93, que ‘todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes’, norma da qual se extrai ser regra a publicidade desses procedimentos, correndo à conta da exceção a reserva do conhecimento e existência dos atos processuais.
Essa publicidade, porém, não é apenas aquela oficial, relacionada com a circunstância de os julgamentos serem públicos e acessíveis a todos, nem aquela ligada à publicação dos atos no Diário da Justiça; abrange também a divulgação, de maneira geral, de notícias sobre atos e julgamentos não cobertos pelo segredo de justiça, sobressaindo, assim, o relevante papel das estações de rádio, da televisão e dos jornais. Sim, o acesso de toda a população brasileira aos trabalhos do Judiciário, Poder ao qual cumpre precipuamente preservar a paz social e a segurança jurídica, pressupõe a atuação da mídia. Contudo, diante de eventuais dificuldades ocasionadas pelo inevitável jargão que acompanha todas as profissões, é imprescindível, para que esse objetivo seja atingido, que os operadores do Direito – magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos e advogados – coloquem-se como interlocutores privilegiados, já que dominam as matérias, muitas vezes extremamente técnicas e por isso áridas ao leigo, com a finalidade de explicitar, em verdadeira e impositiva prestação de contas, os acontecimentos forenses, a valia dos atos que compõem a rotina da Justiça nacional. É tempo de aproximar-se não o povo do Judiciário, mas este, daquele, o que só se concretizará, efetivamente, com a total transparência do que vem sendo realizado neste Poder.
Marco Aurélio
é presidente do Supremo Tribunal Federal