Essa reflexão traduz a rica experiência de compartilhamento de idéias com o grupo de estudo relativo ao projeto de pesquisa científica do Unicuritiba “Tutela dos Direitos da Personalidade na Atividade Empresarial: os Efeitos Limitadores da Prova Judiciária”, sob responsabilidade do ilustre professor Luiz Eduardo Gunther.

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É nítida a tendência atual, na doutrina e jurisprudência, de mitigar o ônus da prova da lesão por dano moral, admitindo-se que o dever de indenização decorra tão somente da própria conduta ofensiva.

A razão para esse entendimento, de que o dano moral está ínsito à própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si, de forma que bastaria, para o direito à reparação, a ocorrência da violação a um direito de personalidade, restando dispensada a sua comprovação.

Tal concepção é consequência do pressuposto de que existe um sentimento comum do “homem médio” na dor, na vergonha, na perturbação, na angústia e em outros estados de sofrimento da alma, os quais não precisam ser objeto de prova, sendo simplesmente presumidos pelo juiz.

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Esse é o entendimento pacífico quando pleiteado dano moral por pessoa física. Quanto à pessoa jurídica, a simples possibilidade dela figurar como autora de pedido de indenização por dano moral foi objeto de muita controvérsia jurídica.

O argumento utilizado para negá-lo era o da honra ser um bem personalíssimo, só podendo ser reconhecida ao ser humano, detentor dos sentimentos de dor, de sofrimento e de tristeza.

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Os direitos da personalidade eram reconhecidos segundo a concepção clássica de direito subjetivo como ensinava Carlos Alberto Bittar(1), um dos primeiros juristas a tratar do assunto, demonstrada por uma postura patrimonialista e não preocupada com o valor existencial da pessoa humana.

O conteúdo axiológico da Carta de 1988 demanda, segundo o professor Fábio Freitas Minardi(2), entretanto, uma compreensão à luz da constitucionalização do direito privado, com uma visão ampliada da tutela jurídica dos direitos da personalidade, a qual deve proteger não só a esfera de vontade individual, mas principal e fundamentalmente a do interesse social.

A Carta Magna preceitua, no seu art. 5.º, inc. X, serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Os direitos da personalidade mostram-se, assim, arrimados no princípio da dignidade da pessoa humana, no sentido de que a pessoa tem um valor em si mesma, e, como tal, cabe reconhecer-lhe a dignidade.

A partir da constatação da importância do resguardo da credibilidade empresarial nas suas relações sociais, devem ser protegidos os direitos da personalidade conferidos à pessoa jurídica da forma mais abrangente possível.

Tais direitos se referem à esfera da honra objetiva da empresa, no patrimônio de prestígio e apreço conquistado perante a coletividade. Foi nessa esteira que o Superior Tribunal de Justiça, em 08 de setembro de 1999, editou a súmula 227 no sentido de que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Posteriormente, em 2002, o Código Civil previu em seu art. 52: aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção aos direitos da personalidade. Aceita a visão de que a pessoa jurídica pode, portanto, pleitear indenização por dano moral decorrente de violação aos seus direitos de personalidade, cabe refletir sobre a questão da prova no processo judicial.

Aplicar-se-ia o entendimento de sua prescindibilidade, como no caso das pessoas físicas? Parece que não. No caso da pessoa jurídica ser autora da ação indenizatória, há certas peculiaridades a serem levadas em consideração.

Lecionam Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Wambier Alvim(3) não ser o dano moral da pessoa jurídica in re ipsa, compreendido em sua própria causa e decorrente da reação do homem médio que tivesse passado pela mesma situação da vítima.

As pessoas jurídicas não têm essência comum, como têm os homens. São criações humanas, profundamente diferentes entre si e desprovidas de traços comuns, sendo inviável, portanto, essa padronização ínsita à idéia do dano in re ipsa.

Essa corrente ganhou força com o Enunciado 189 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil pelo qual: “Na responsabilidade civil por dano moral à pessoa jurídica, o fato lesivo, como dano eventual, deve ser devidamente demonstrado”.

Um dos casos mais comuns na jurisprudência diz respeito ao pedido de ressarcimento de dano moral pela pessoa jurídica vítima de protesto indevido de título.

Sendo de senso comum que a empresa ficaria impossibilitada de participar de licitações, perderia a confiança de seus fornecedores e deixaria de ter crédito, a prova do dano fica, por conseguinte, dispensada.

Presume-se o dano moral, porém não se trata de dano in re ipsa. As conseqüências não precisam ser necessariamente provadas porque se sabe que elas ocorrem, são regras comuns de experiência.

Nas demais situações, em que a empresa pleiteie dano moral por violação a direitos da personalidade, deve ela, necessariamente, levar ao conhecimento do magistrado todo o substrato probatório apto a margear o ressarcimento pretendido.

Notas:

(1) BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 11.
(2) MINARDI, Fabio Freitas. Natureza jurídica do direito da personalidade. In Tutela dos direitos da personalidade na atividade empresarial. Luiz Eduardo Gunther (Coord.). Curitiba: Juruá, 2008. p. 91-110.
(3) WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A prova do dano moral da pessoa jurídica. In Direito empresarial & cidadania: questões contemporâneas. Jair Gevaerd,
Marta Marília Tonin (Coords.). Curitiba: Juruá, 2004. p. 284-285.

Juliana Cristina Busnardo Augusto de Araujo é servidora Pública Federal do TRT da 9.ª Região. Especialista em Direito Empresarial pelo IBEJ. Mestranda em Direito Empresarial e
Cidadania pelo Unicuritiba.