No ocaso do século XX, por ocasião do primeiro Congresso Mundial contra a Exploração Sexual da Criança, em Estocolmo, Suécia, o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) divulgou dados assustadores: mais de um milhão de menores eram obrigadas a se prostituir a cada ano no mundo. Estimava-se que na Índia existissem cerca de 500 mil crianças prostituídas. Na Tailândia, um dos principais destinos do turismo sexual, o número de crianças envolvidas nessa sórdida atividade chegava a 800 mil, gerando para seus criminosos exploradores receita de US$ 1,5 bilhão/ano.

Resgatar esses dados, que não podem se perder na memória e na consciência da comunidade mundial, é de imensa importância para o Brasil, que figura de forma lamentável nas estatísticas relativas ao problema: à época, estimava-se que, em nosso país, 500 mil menores viviam na prostituição. Considerando que os organismos multilaterais de crédito internacionais e o Banco Mundial indicam o avanço da pobreza e da concentração de renda em todo o planeta, é muito provável que o quadro deva até mesmo ter-se agravado desde o congresso de Estocolmo. Denúncias de corrupção de menores e abuso sexual são freqüentes no País, como o escândalo investigado pelo Ministério Público a partir de agosto de 2003, envolvendo 22 pessoas, entre empresários, comerciantes e vereadores de Porto Ferreira, no interior paulista.

É verdade que, nos últimos anos, intensificaram-se as ações e campanhas contra a prostituição infantil. Por outro lado, contudo, esse crime ganhou novos meios de se alastrar, dentre eles a internet, na qual, conforme denúncias quase diárias, há sites e sites com pornografia envolvendo crianças, pedofilia, redes de prostituição e outros flagelos do gênero. Assim, mais do que nunca, é preciso desenvolver e multiplicar esforços no combate ao problema. Nesse sentido, é muito importante a ação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional que investiga as redes e conexões desse crime no Brasil, bem como o esforço determinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no sentido de que o governo desenvolva políticas públicas e ações articuladas no combate à prostituição infantil.

Dados atuais confirmam a gravidade do problema: o Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo revela que 100 menores morrem diariamente no Brasil em decorrência de maus tratos, violência e envolvimento com prostituição; o Centro Brasileiro de Defesa da Criança indica que cerca de mil meninas, de 8 a 15 anos, sejam prostituídas anualmente no Rio de Janeiro; em Pernambuco, uma em cada três prostitutas é menor de 18 anos; no Rio Grande do Norte, 61% das meninas de rua de 12 a 14 anos estão prostituídas; em Salvador, a faixa etária das menores prostituídas vai de 12 a 17 anos, e 74% delas tiveram a primeira experiência sexual aos 10 anos.

Essas tristes estatísticas e as informações concretas sobre o fato de o Brasil ser um dos mais procurados destinos do chamado turismo sexual demonstram que o combate à prostituição infantil não é tarefa apenas do poder público. Trata-se de responsabilidade da nação! É imprescindível o engajamento de toda a sociedade na luta contra este flagelo, conscientizando, contribuindo para a educação, saúde, inclusão social, divulgando as estatísticas e denunciando – o que reduz a impunidade dos monstros que exploram crianças para ganhar dinheiro ou dar vazão a impulsos anormais e/ou imorais.

Nesse sentido, é muito importante a participação dos meios de comunicação. E, como integrante da cadeia produtiva da comunicação e setor cujos produtos (embalagens, cheques, cartões, livros, jornais, revistas, cadernos…) interagem no cotidiano de todas as pessoas, a indústria gráfica brasileira – constituída por cerca de 15 mil empresa e 200 mil trabalhadores – tem consciência de sua responsabilidade social na difusão de campanhas de melhoria da qualidade de vida, como a lançada pelo governo em 7 de agosto último, de combate à prostituição infantil. Assim – por meio de sua entidade de classe, a Abigraf -, o setor engaja-se nessa luta, promovendo a impressão de 500 mil cartazes e 50 mil folders, a serem distribuídos em todo o País, tornando mais ostensivo o alerta sobre o problema e seu caráter criminoso.

Prostituir menores é crime grave, conforme previsto na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para denunciar, basta procurar os Conselhos Tutelares da Criança e do Adolescente, que levarão o caso ao Ministério Público. Nos municípios nos quais não haja esses conselhos, deve ser procurada, no Poder Judiciário, a Vara da Infância e da Juventude. Outros órgãos preparados a ajudar são as Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente e as Delegacias da Mulher. O telefone 0800 99 0500 (ligação gratuita) também recebe denúncias. É preciso romper o silêncio e a impunidade. Nossas crianças precisam de proteção. Não podem mais ficar expostas à crueldade e deformidade moral dos que as exploram, vendendo, comprando e subvertendo sua pureza.

Mário César de Camargo é administrador de empresas, bacharel em Direito, empresário e presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf).

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