Não demorou muito. A primeira irritação conhecida do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi exposta apenas quatro dias após a festa da vitória nas urnas. Lula, que cometeu um deslize ao bisar preferência concedida dois dias seguidos a uma rede de televisão com problemas de ordem econômica, no velho estilo de “comentarista convidado”, está farto das perguntas, sugestões, especulações e insinuações acerca de seu futuro ministério. É cedo. Cedo, diz, para nomear ? avisa que haverá de fazê-lo de um só golpe ? e, dizemos nós, cedo para se irritar.
O problema é que enquanto não tem equipe formada, Lula continua uma espécie de pára-raios único: não pode distribuir tarefas. O pessoal da transição cuida da transição. Já é tarefa bastante. E, ao que o presidente eleito diz, uma coisa não terá nada a ver com a outra. Do ministério cuidarão os ministeriáveis. Mas embora esses não sejam conhecidos, os problemas o são. Ou começam a ser, com a naturalidade que a própria campanha os pincelou: está aí a dívida dos Estados fazendo pressão para uma nova rolagem. Até governadores do PT a desejam. Avança a discussão sobre o novo salário mínimo, que, no bojo da proposta do novo orçamento geral da União que está no Congresso para ser votado, pode continuar tão mínimo quanto o proposto pelo governo atual. Agiganta-se a discussão sobre de onde tirar recursos, lançada pelo próprio Lula ao anunciar sua primeira meta ? o megacombate à fome.
Mais: já se anuncia que o novo governo não haverá, como devia, de baixar a alíquota máxima do Imposto de Renda de 27% para 25%; que com arrecadação em baixa para o ano que vem, uma eventual reforma fiscal não viria para aliviar a carga tributária e, sim, para mantê-la e, se possível, aumentá-la. Já se lançam conjecturas a respeito de um aumento para o funcionalismo público menor do que o esperado. Enquanto isso, Brasil afora registram-se aumentos de preço nos supermercados ? exatamente a comida! – e, ao contrário de quase todas as propostas lançadas durante a campanha, fala-se em reajuste também dos pedágios. Sem falar no já anunciado aumento de combustíveis, em vigor a partir desta próxima segunda-feira.
É verdade que em tudo pode estar havendo um pouco de especulação e isso não é bom para ninguém ? nem para o mercado financeiro nem para o bolso do consumidor. Lula já avisou que não admitirá especulações, pelo menos essas em torno dos nomes de seu futuro ministério, que quer montar pessoalmente, sem essa ou aquela pressão. “Nenhum jornal, nenhum canal de TV nem rádio vai fazer ministro”, adverte. Mas é bom ir se acostumando para essa parte que também é do jogo democrático: jornais, rádios e televisão são canais de debate permanente e salutar da sociedade e, ao que nos ensinou o próprio partido do presidente eleito, quanto mais debate, melhor.
Lula afirma e garante que não comporá equipe nenhuma dentro de clima de negociatas ou arranjos (“ministério é outra coisa, uma questão pessoal, uma questão minha”) para obter maioria parlamentar no Congresso. Embora isso fosse, em tese, uma coisa boa, há que se reconhecer que não tem sido esta a prática dos últimos tempos. Sem negociar, o ex-presidente Fernando Collor levou a pior. Lula ganhou a cadeira de presidente num turbilhão de votos, mas perdeu nos Estados. E não tem maioria no parlamento. Convém deixar a irritação para mais tarde e topar a conversa. Como fez na campanha.