A primeira CPI

Depois de perceber que poderia passar para a história como o responsável maior pela varrição da sujeira brasiliense para debaixo dos tapetes da barganha política, o senador José Sarney, presidente do Senado, passou a dizer que se lhe apresentassem um pedido com o número mínimo de assinaturas necessário, instalaria a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI dos bingos. Talvez tivesse a certeza de que os colegas se esquivariam da responsabilidade antes de ser exigida a sua. Pois o pedido lhe foi entregue formalmente na quinta-feira. E com pelo menos uma dezena a mais de assinaturas que o mínimo necessário.

Não foi nada fácil. Todos os senadores do PT signatários do documento, menos Eduardo Suplicy, retiraram suas assinaturas, atendendo a orientação do Planalto e do partido. Mas depois de uma batalha surda nos corredores, gabinetes e linhas telefônicas, outros senadores endossaram o pedido e, assim, o “problema” está criado. O governo Lula provavelmente terá o que não queria: uma investigação política, paralela àquela policial ordenada às pressas para tentar abafar a primeira. Dizemos provavelmente porque ainda restam etapas a superar, quase todas ditadas pela malandragem e pela artimanha de filigranas jurídicas e de regimento a que agora se lançam os governistas. Mas se prevalecer o bom senso e a vergonha, nada evitará aquilo que a nação espera desde a primeira hora em que surgiram as denúncias de envolvimento corrupto do ex-assessor parlamentar Waldomiro Diniz, braço-direito do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, no submundo do sujo negócio das loterias, bingos, máquinas caça-níqueis e na arrecadação de fundos de campanha.

Não é essa a CPI que precisava. Outra mais direta e objetiva estava (e ainda está) sendo proposta, para irritação máxima do Planalto. Mas de qualquer forma, à ausência desta, servirá mesmo assim para chegar ao coração do problema que paralisa o Brasil já desde antes do Carnaval e que motivou o presidente da República a editar medida provisória proibindo o jogo de norte a sul, ainda que à custa do aumento do número de desempregados, já não pequeno. E o ex-auxiliar direto do principal homem do governo de Lula, que não quis falar na polícia, zombando de tudo e de todos, provavelmente não terá as mesmas condições de silenciar no bojo de uma investigação parlamentar feita à luz de holofotes e de câmeras de televisão que haverão de transmitir tudo ao Brasil inteiro.

Além de cavar fundo sobre um problema que se desconfia tenha ramificações até aqui não admitidas, servirá a CPI para avaliar, também, o desempenho da própria Polícia Federal e, portanto, a seriedade do governo nessa investigação, que não pode terminar em pizza, sob pena da desmoralização, maior de toda a ética petista. Existem fatos antigos, que vêm de governos anteriores, mas existem fatos recentes, que pertencem ao governo atual e provavelmente têm a ver como chegou lá. Há que ser explicada toda a longa relação de Waldomiro com José Dirceu, o “capitão” do time de Lula, mesmo sabendo este do envolvimento daquele em fatos graves, incluindo o que o coloca no circuito de um “propinoduto” que já demitiu até bispos da igreja de Edir Macedo…

O senador José Sarney, que já tentou procrastinar o debate para evitar a investigação com a instituição do recesso branco no Senado durante o período carnavalesco, não tem o direito de reforçar a “operação abafa” montada no Planalto, e da qual participa outro José – o Dirceu – alvo maior de toda a desconfiança que abala os alicerces do governo Lula. É preciso que se dê seguimento normal ao pedido recebido, deixando que sejam indicados os participantes da comissão e sejam realizados todos os atos necessários à sua imediata instalação. Quanto mais pretenderem evitar a investigação, mais se afirma o conceito de que a investigação é, de fato, necessária. Como um crisol, ela é indispensável à separação da parte ruim que se mistura aos bons propósitos de um governo que despertou um turbilhão de esperanças.

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