A prescrição do trabalhador doméstico e o novo Código Civil

1. Introdução

Considera-se trabalhador doméstico aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas (Lei n.º 5.859/72, art. 1.º).

Exemplos dessa atividade podem ser dados com o mordomo, a cozinheira, o jardineiro, o motorista, a copeira, a governanta, a arrumadeira (MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 15.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 142).

Os preceitos da Consolidação das Leis do Trabalho não se aplicam, em princípio, a esses trabalhadores, exceto, quando, em cada caso, for expressamente determinado em contrário (art. 7.º, a, da CLT).

A Constituição Brasileira assegurou igualdade de direitos dos trabalhadores domésticos com os demais empregados (urbanos e rurais), mas apenas quanto aos seguintes aspectos (art. 7.º, parágrafo único): salário mínimo (IV); irredutibilidade salarial (VI); décimo terceiro salário (VIII); repouso semanal remunerado (XV); férias com um terço a mais (XVII); licença à gestante (XVIII); licença-paternidade (XIX); aviso prévio (XXI); aposentadoria (XXIV).

Remanesce, contudo, séria controvérsia sobre o prazo prescricional aplicável ao trabalhador doméstico, especialmente agora, tendo em vista a vigência do Novo Código Civil Brasileiro, a partir de 11/1/03.

A prescrição tem como fundamento a segurança jurídica, a fim de que não sejam indefinidamente mantidas as controvérsias, em detrimento da estabilidade das relações em sociedade.

Existem dois tipos de prescrição: a) extintiva, conceituada por Câmara Leal como a “extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso” (RT, 447: 142 e 209 e 426: 77); e b) aquisitiva, conhecida como usucapião, que tem por escopo a propriedade, voltada, essencialmente, ao direito das coisas.

Para o direito do trabalho só interessa a primeira (extintiva), como se pode perceber, recebendo status constitucional a partir de 5/10/88 (artigo 7.º, inciso XXIX).

No atual Código Civil (Lei n.º 10.406/02) a prescrição é tratada nos artigos 189 a 206.

Nos casos omissos da CLT, aplica-se o direito comum (arts. 8.º e 769 da CLT).

Em síntese apertada, mencionamos as correntes/teorias existentes a respeito, apresentando, ao final, a orientação que nos parece a mais correta.

2. Aplicação de normas trabalhistas anteriores à CLT

Segundo uma ponderada corrente de opinião, aplicar-se-ia ao trabalhador doméstico o prazo prescricional de dois anos, conforme regras anteriores à CLT, isto é Decreto-lei n.º 1.237/39, art. 101, e Decreto 6.596/40, art. 227. Essas normas, de acordo com tal orientação, estariam em vigência, sem terem sido revogadas por normas posteriores. Defende essa teoria Carlos Moreira de Luca, em seu trabalho “O prazo de prescrição dos direitos assegurados aos empregados domésticos” (Revista LTr, n.º 53. São Paulo: LTr, 1989, p. 81-82).

3. Em face da lacuna normativa, aplicação do Novo Código Civil

Inexistindo regra própria a normatizar o tema da prescrição do trabalhador doméstico, aplicar-se-ia o Código Civil. Até 10/01/03, incidiria o velho Código, de 1916, cuja regra prescricional aplicável seria a mesma incidente sobre os jornaleiros (os que trabalham por jornada, na linguagem desse diploma), vale dizer, o prazo de cinco anos (art. 178, § 10, V, CCB).

Alinham-se nessa teoria Orlando Gomes (Contratos. 5.ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 336), Octávio Bueno Magano (Manual de Direito do Trabalho. 2.ª ed. São Paulo: LTr, 1988. Vol. II. p. 36), Sergio Pinto Martins (Manual do trabalho doméstico. 5.ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 102).

A partir de 11/01/03, vigente o Novo Código Civil (Lei n.º 10.406/02), restaria incidente a prescrição contida no art. 205, isto é, de dez anos, porque a lei não lhe teria fixado prazo menor. Para o autor que adota essa ordem de idéias, não tendo a Constituição assegurado ao doméstico a prescrição, fixada quanto aos demais trabalhadores, o que não teria sido de forma alguma omissão, mas intenção deliberada, restaria aplicar o Código Civil, em face do art. 8.º, caput, da CLT (BELMONTE, Alexandre Agra. Prescrição e decadência no Novo Código Civil e sua repercussão no direito do trabalho. Suplemento Trabalhista LTr, Ano 39, n.º 09/03. São Paulo: LTr, 2003. p. 42).

4. O prazo do antigo art. 11 da CLT

Dever-se-ia, por esta corrente, aplicar-se o prazo prescricional de dois anos, previsto no antigo art. 11 da CLT, mesmo após a vigência da Constituição de 1988. O fundamento para esse entender seria que a CLT representaria o parâmetro normativo genérico do Direito do Trabalho, e, por isso, integraria lacunas existentes nesse ramo do direito. Expoentes dessa teoria são Roberto Barreto Prado (Prescrição das ações interpostas pelos empregados domésticos. Revista LTr. Vol. 54. N.º 2. Fevereiro de 1990. São Paulo: LTr, 1990. p. 171-173).

5. A aplicabilidade da regra constitucional

Outra corrente se orienta no sentido de considerar aplicável ao contrato doméstico o mesmo prazo prescricional incidente nas relações jurídicas do trabalhador urbano, desde 5/10/88 (e a partir da EC 28/00 também ao rural) de cinco anos, até o limite de dois após a extinção do contrato.

Seus defensores, dentre outros, são: Arnaldo Süssekind (Prescrição. Revista LTr. Vol. 53. N.º 9. Setembro de 1989. São Paulo: LTr, 1989. p. 1.022) e Alice Monteiro de Barros (Curso de Direito do Trabalho. Estudos em memória de Célio Goyatá. 3. ed. São Paulo: LTr, 1997. V. 1. p. 224).

Valentin Carrion, Antenor Pelegrino, Emílio Gonçalves e Arnaldo Süssekind (PAMPLONA FILHO, Rodolfo e VILLATORE, Marco Antônio César. Ob. cit. p. 112-113).

6. A teoria prevalente

Prevalece, com amplo apoio da doutrina e da jurisprudência, a corrente que aplica a prescrição constitucional, com os seguintes argumentos: a) a omissão do inciso XXIX no parágrafo único do art. 7.º, pois arrola “direitos”, e a prescrição é critério que, ao contrário, suprime direitos; b) a norma do inciso XXIX é regra geral trabalhista, concernente à prescrição aplicável a qualquer situação fático-jurídica própria ao Direito do Trabalho; c) não há necessidade de interpretação jurídica porque não há lacuna – a CF/88 firma o critério urbano (e agora rural) sem exceção; d) ainda que houvesse integração jurídica, caberia valer-se da norma constitucional, e não de qualquer outra revogada, ineficaz ou situada em outro universo jurídico. Nesse sentido, a lição segura de Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002. p. 263).

7. A situação específica do menor

Permanece viva a discórdia, no entanto, sobre o prazo prescricional aplicável ao trabalhador doméstico menor.

Para uns, aplicar-se-ia o disposto na CLT, e não o Código Civil, ausente disposição especial, não correndo prazo prescricional contra o menor de 18 anos, nos termos do art. 440 da CLT (TRT 3.ª Reg. RO 663/99. Rel. Juiz Manoel Mendes de Freitas. j. 6/11/89, Minas Gerais II, 17/11/89. p. 58).

Já para outros, não seria possível aplicar a CLT, por expressa vedação (art. 7.º, a, desse diploma), mas sim o Código Civil (antigo), que estabelecia não correr prescrição contra os menores de 16 anos (art. 5.º, I, e art. 169, I), conforme assevera Sergio Pinto Martins (ob. cit., p. 102-103). Transpondo essa última orientação para o Novo Código Civil, teríamos que aplicar as regras dos arts. 198, I, e art. 3.º, I, que estabelecem não correr prescrição contra os menores de 16 (dezesseis) anos.

Não pode ser ignorada, ainda, a possibilidade de se argumentar, inexistindo prescrição definida ao trabalhador doméstico menor, à míngua de regra específica, pela incidência do disposto no art. 7.º, XXIX, da CF, que não distingue qualquer categoria de trabalhadores.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo