As reações frente à proposta de criação de um Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) estão sendo muito emocionais e pouco racionais. O eixo da discussão está deslocado. O “Provão” não é, nem nunca foi, o eixo condutor do processo de avaliação da educação superior. É preciso analisar a questão com objetividade e lucidez. A proposta do Sinaes não pretende uma política de “terra arrasada”. Tanto a Comissão Especial, quanto o próprio ministro Cristovam Buarque, reconhecem os avanços nas políticas de educação superior, especialmente com a implantação de uma “cultura da avaliação”, que até então havia ficado em segundo plano. Mas, ao lado desse reconhecimento objetivo dos avanços, é fundamental analisar os equívocos e corrigi-los. O “provão”, cujo nome correto é “Exame Nacional de Cursos”, foi concebido como ferramenta auxiliar no processo maior da avaliação. Paradoxalmente, a própria resistência a ele e a ênfase com que teve de ser defendido, redundou numa supervalorização do seu papel. Pior ainda. O ENC foi deixando de ser um componente de um processo mais amplo, reduzindo-se a um fator de classificação entre as instituições de ensino superior. E é exatamente essa distorção que, infelizmente, tem sido apontada como sua maior virtude!
Quando a Constituição Federal comina ao Poder Público o dever de avaliar a qualidade do ensino, estabelecendo uma relação entre essa avaliação e a autorização (cf. art. 209), não está visando atender aos interesses do “mercado”, mas ao interesse maior da cidadania, uma vez que o direito à educação foi estabelecido como um dos direitos sociais constitucionalmente garantidos (art. 6.º). Ora, avaliar a qualidade do ensino ofertado é zelar para que as suas finalidades, descritas na LDB (art. 43), sejam cumpridas. Tarefa muito mais ampla e complexa do que simplesmente estabelecer uma base de dados que, transcrita em conceitos de “A” a “E”, possibilite aos alunos “escolher os cursos melhores”. Esta é uma visão empobrece e esvazia o papel que a Constituição impõe ao Poder Público.
Transformar alunos em “clientes”, educação em “mercado” e o Poder Público em “administrador da competitividade” é negar, pela raiz, a tríplice finalidade da educação, conforme está no art. 2.º da LDB: pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Se o grande desafio que se coloca à educação, como afirma Morin, é “a reforma do pensamento”, ou seja, uma transformação profunda que torne a “mente mais viva”, um processo de avaliação deve incidir sobre a “missão pública” da educação. Isto difere completamente de um “ranking” que leva algumas instituições ao pódio e outras ao limbo, apenas em função de números que dificilmente refletirão a qualidade do ensino, o empenho do corpo docente ou o esforço de inovação de uma instituição.
O novo sistema de avaliação proposto, o Sinaes, combinando a auto-avaliação (que estimula a responsabilidade da comunidade acadêmica) e a avaliação externa (que impede a ação dos interesses particulares ou corporativos), e comportando também um exame que incida sobre o conhecimento dos alunos, não só não nega os avanços conseguidos, como expressa a vontade de dar um passo avante. Ou será que, para se valorizar o passado, dever-se-á, necessariamente, recusar a mudança e propor o novo?
Teofilo Bacha Filho é vice-presidente do CEE-PR e foi membro da CEA/MEC.