Alguns cineastas brasileiros são mais espetaculosos que seus filmes. Glauber Rocha era gênio como cineasta e falando, um guerrilheiro ensandecido. José Mojica Marins, o Zé do Caixão, e Cacá Diegues também prendem a atenção. O primeiro porque o seu universo mental é confuso e bizarro. E o segundo porque tem mira boa. Eu morava em São Paulo em 1978 e trabalhava na Agência Folhas, quando houve um alvoroço com uma entrevista de Cacá para o Folhetim.

Ele vociferou contra as patrulhas ideológicas, expressão cunhada naquela entrevista. Apesar de o presidente ainda ser um general, o Brasil começava a sair da ditadura, e entrava na transição para a democracia. Mas algumas seitas stalinistas queriam enquadrar a cultura. Cacá rodou a alagoana. Passaram-se 25 anos e ele volta fazer o mesmo em uma entrevista na edição de sábado de O Globo. Sem o ímpeto retórico do jovem cineasta, detona o que chama de processo zdanovista no governo Lula.

Zdanov foi o sujeito que criou as normas para a produção cultural na União Soviética, de Josef Stalin. A cultura não podia sair de um padrão rígido que veio a ser conhecido por realismo socialista. Este padrão celebrava o nacionalismo russo, o trabalhador, o camponês, o soldado, a mãe, a vaca, o trator, além de Stalin e algum tema social do momento. O resultado foi a castração da criatividade dos primeiros anos da revolução russa. O realismo socialista, como proposta estética, foi enterrado e está superado, se é que teve importância.

Para que não se diga que é preconceito anti-stalinista, pode-se acrescentar que Hitler e Mussolini fizeram os seus realismos fascistas e ninguém pensa ressuscitar aqueles gêneros. Ou seja, como proposta cultural, o dirigismo é ruim. Retornando a Cacá Diegues, ele se preocupa com a forma anunciada de o governo Lula gerenciar os recursos para a cultura. E questiona o dirigismo, a exigência de contrapartida, a barganha ideológica. Suspeita da prioridade a projetos que enfatizem aspectos folclóricos, como se isso garantisse qualidade e criatividade. E teme a burocracia e o empobrecimento mental.

A entrevista de Cacá, como a de 1978, produziu um rebuliço. O cineasta, resumindo, acusa os xiitas do PT de serem chaatos, além de atrasados. E Cacá alega que a cultura brasileira, especialmente o cinema, avançou nos últimos oito anos, após a política terra queimada de Fernando Collor. Em parte, está certo. Há aspectos questionáveis da política cultural anterior, mas há avanço visível. Para ficar no caso do cinema: ele passou a existir, outra vez, e com vigor.

Os filmes brasileiros depois da retomada, em 1995, refletem variedade saudável, ao contrário do período do cinema novo ou das pornochanchadas em que era aquilo ou nada. E ao contrário daquele período, unem qualidade e quantidade, com reconhecimento de crítica e de público. Além disso, o cinema brasileiro conquistou 10% do publico brasileiro, a partir do zero. Isto é, fazendo cultura. Também é indústria. Faz o brasileiro olhar o seu país e ver forma crítica as suas coisas.

Colocar tudo isso a perder é, no mínimo, bobagem. Por isso a fala de Cacá é oportuna. E deu os resultados. Quanto a Zdanov, é melhor deixar o sujeito em paz. E a melhor forma é não fazer o que ele fez.

Edilson Pereira (edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado.

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