Luiz Alberto D. de Vasconcelos

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A aparente omissão do cidadão na tutela do interesse difuso ambiental.

Poderia causar estranheza a escassa participação dos cidadãos na efetiva proteção dos bens ambientais, seja no processo de elaboração das normas ambientais, na execução das políticas ambientais ou no controle e fiscalização judicial ou extrajudicial dos atos do poder público e da sociedade em geral, atentatórios ao meio ambiente, sobretudo pela reconhecida natureza de direitos fundamentais conferida a tais bens, conforme entendimento sedimentado na doutrina e na jurisprudência pátria, e até mundial, sem perder de vista o caráter transcendental de interesses, atingindo, inexoravelmente, a esfera dos interesses metaindividuais.

A diminuta participação do cidadão também não encontra sua razão de ser na possível ausência de instrumentos legais capazes de lhe conferir poder de participação, pelo contrário, foram colocados, formalmente, a sua disposição da sociedade diversos instrumentos permitindo a participação da gestão ambiental, expressamente previstos na legislação, tais como: a elaboração de projeto de lei, a audiência pública, a ação popular, a própria representação aos órgãos competentes etc., todos expressão do princípio democrático inserto no Parágrafo único, do art. 1.º, da Constituição Brasileira de 1988.

Essa aparente omissão do cidadão põe, inclusive, em cheque a efetividade do citado princípio constitucional, segundo o qual ?todo o poder emana do povo?, que para Elival da Silva Ramos(1) representa o ?calcanhar de Aquiles? do sistema democrático, em que o governo para o povo, ainda que imbuído dos melhores propósitos, jamais se igualará a um governo pelo povo. A ponderação do citado autor faz alusão ao sistema político democrático idealizado por Aristóteles, aprimorado por Lincoln, segundo o qual consiste no ?governo do povo, pelo povo e para o povo?(2).

Para que a participação popular na tutela do interesse difuso ambiental efetivamente ocorra e, por via de conseqüentemente, contemple melhor o princípio da soberania popular propugnado pelo legislador constituinte, é necessário examinar as causas dessa aparente omissão.

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Não haveria dúvida em afirmar que o cidadão é realmente omisso, no que diz respeito à tutela do meio ambiente e no exercício dos demais direitos políticos, caso o Poder Público lhe conferisse as condições materiais necessárias para o efetivo exercício da cidadania. Em outras palavras, não há como negar a estreita relação entre os problemas que ameaçam a preservação ambiental e as condições sociais e econômicas a que estão submetidos os cidadãos.

Para que a cidadania efetivamente tenha lugar é necessário um ambiente em que exista um mínimo de igualdade entre as pessoas, materialmente falando, o que nas palavras de Flávia Oliveira e Flávio Romero ?pressupõe o reconhecimento das desigualdades reais, notadamente, as econômicas e sociais, existentes entre as pessoas, bem como a busca de sua atenuação, a fim de garantir a todos condições mínimas para o pleno desenvolvimento da personalidade humana?(3).

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O Princípio 13 da Declaração do Meio Ambiente(4), firmado na Conferência de Estocolmo de 1972, exteriorizou essa preocupação com as desigualdades sociais e econômicas, sugerindo que se buscasse harmonizar o desenvolvimento humano e das condições de vida das populações com o desenvolvimento do meio ambiente.

O Relatório de Comissão de Brundtland, Nosso Futuro Comum, identificou igualmente a conexão existente os problemas ambientais e a pobreza ao apontar neste importante documento que:

?a pobreza generalizada já não é inevitável. A pobreza não é apenas um mal em si mesma, mas para haver um desenvolvimento sustentável é preciso atender às necessidades básicas de todos e dar a todos a oportunidade de realizar suas aspirações de uma vida melhor. Um mundo onde a pobreza é endêmica estará sempre sujeito a catástrofes, ecológicas ou de outra natureza?(5).

Os graves problemas sociais e econômicos que assolam o Brasil, e boa parte dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, são responsáveis pela gritante desigualdade social existente, traduzindo-se em falta de moradia, saúde, educação, emprego e renda, fatores que direta ou indiretamente colocam em risco a preservação ambiental.

Neste sentido, assevera Boaventura Souza dos Santos que a degradação Ambiental é conseqüência direta da transnacionalização do empobrecimento, da fome e da má-nutrição, que derivam de um conflito entre Norte e Sul(6).

Pode-se acrescentar a essa opinião o fato de muitos aproveitarem-se da população ignorante para tirar vantagens ilícitas, a exemplo do que ocorreu com os povos da Idade Média e sua subserviência as instituições que tanto tempo os dominaram. A poluição e a degradação ambiental são frutos do descuido de autoridades que somente se dirigem às classes menos privilegiadas em épocas oportunas.

O exemplo disso, é que não há políticas públicas efetivas para conter o excesso populacional, causa contribuidora, efetiva, e cada vez maior, de enorme impacto ambiental; tampouco existem para retirar a população de áreas que deveriam ser preservadas.

Elogios são feitos ao Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus – PROSAMIN que buscou uma possível solução para os igarapés da cidade de Manaus. Isso deveria ampliar-se em outros setores que buscam uma requalificação dos recursos ambientais presentemente existentes.

Ainda quanto ao PROSAMIN, poder-se-ia questionar da necessidade ou não de realização do estudo prévio de impacto ambiental para execução de suas obras, conforme exigência constitucional prevista no inciso IV, º1.º, do art. 225, todavia entendo pela sua desnecessidade, na medida em que não é ?potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente?, muito pelo contrário, visa exatamente eliminar, ou pelo menos atenuar, a degradação ambiental.

A igualdade de condições proporcionada pelo Estado aos cidadãos, ou seja, a igualdade material, é medida pelo maior ou menor grau de efetivação dos direitos sociais fundamentais previstos no ordenamento jurídico deste Estado, sendo a efetivação desses direitos sociais corolário do exercício das liberdades políticas.

Para Paulo Bonavides, os direitos sociais ?nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar?(7), sendo a efetivação dos direitos sociais condição para que os direitos subjetivos possam brotar.

Neste sentido, levando-se em consideração as atuais condições sociais e econômicas do país, chega a ser difícil imaginar um indivíduo, singularmente considerado, litigando ou se insurgindo contra os atos da administração pública ou de particulares, em defesa do meio ambiente e das demais questões de interesse difuso, mesmo porque, estes últimos (particulares), são representados em sua maioria por empresas de grande aporte financeiro, situação que proporciona uma luta entre desigual, ?Davi contra Golias?, ainda que se admita ter esse indivíduo pleno conhecimento da existência das ferramentas normativas no ordenamento jurídico pátrio, fato que, infelizmente, não se coaduna com a realidade.

Nas palavras de Elival da Silva Ramos: ?O cidadão comum, entretanto, individualmente considerado, mesmo com a aplicação desses mecanismos todos, permanece impotente diante de um poder que lhe pertence, mas que lhe foge às mãos?(8).

O contexto sócio-econômico nacional não se amolda às exigências da participação democrática da cidadania ambiental propugnada pela norma. Fica latente a necessidade de implementação de políticas públicas que satisfaçam os direitos sociais e reduzam as desigualdades neste setor, conferindo a igualdade necessária à participação dos indivíduos na parcela do poder conferido constitucionalmente e não implementado, na medida em que os direitos sociais constituem, nas palavras de Vicente de Paulo Barreto, ?o núcleo normativo central do Estado Democrático de Direito?(9).

A mudança positiva neste contexto sócio-econômico repercutirá, sem sombra de dúvida, em todo o panorama sócio ambiental do país e até do mundo, fazendo com as normas ambientais atinjam a ?eficácia social?(10) tão almejada.

Nesse diapasão, a Lei 9.795/1999 – Política Nacional de Educação Ambiental – que regulamentou o inciso VI, do § 1.º, do Art. 225, do texto constitucional, editada dez anos após a promulgação da Constituição de 1988, em conformidade com os princípios propugnados pela Declaração do Meio Ambiente, firmada em Estocolmo em 1972, apresenta-se como mais uma importante ferramenta que tem como objetivo quebrar o paradigma da inconsciência ambiental.

Todavia, a implementação da educação ambiental também passa, inegavelmente, pelo estabelecimento prévio da igualdade material de que falávamos, uma vez que, o despertar de uma atitude crítica de cada indivíduo depende também das condições conferidas pelo Estado para o desenvolvimento dessa potencialidade.

Além do que, a efetivação de uma educação ambiental crítica, tende, inexoravelmente, a fazer brotar no indivíduo a motivação necessária para que intervenha positivamente em seu habitat, na medida em que essa educação, segundo Paulo Freire, corresponde ?o exercício de uma consciência crítica que resultaria a sua inserção no mundo como transformadores dele, como sujeitos e não como vasilhas, recipientes a serem ?enchidos? pelo educador?(11).

A realidade, todavia, demonstra algo bem diferente do que efetivamente imaginavam os mais exaltados ambientalistas, na medida em que já passados mais de 8 (oito) anos da promulgação da supracitada norma, muitas são as críticas lançadas sobre ela, principalmente no que diz respeito a falta de efetividade, o que põe em dúvida o alcance pretendido por ela (norma), nesse processo de educação ambiental e conscientização ecológica.

Sem adentrar no mérito das críticas lançadas sobre a referida norma, acredito cegamente que, uma vez conferidas às condições materiais mínimas necessárias aos cidadãos, a educação e a conscientização ambientais apresentar-se-ão, naturalmente, como meio eficaz para que a sociedade alcance a sadia qualidade de vida, bem como assegure o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e futuras gerações.

É preciso ter em mente, todavia, que o processo de educação ambiental deve formar não apenas pessoas conscientes da importância da preservação dos recursos ambientais, mas, sobretudo, cidadãos, capazes de exercer plenamente seus direitos políticos, exigindo do Estado, e da sociedade como um todo, ações efetivas em prol da preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para todas as gerações, o que certamente ajudará a afastar a equivocada impressão de omissão do cidadão em relação aos interesses difusos ambientais.

Portanto, a aparente omissão do cidadão na gestão ambiental, e na vida política nacional como um todo, encontra sua razão de ser na injusta distribuição de renda; na ínfima quantidade de investimentos efetivamente aplicados em infra-estrutura, educação, ciência e tecnologias e na escassez de políticas públicas de inclusão social, fatores estes que, sem sombra de dúvida, melhor explicam essa aparente renuncia do exercício da cidadania, elemento vital para que a democracia se instale verdadeiramente em nosso país.

Seguindo o mesmo raciocínio, o grave quadro de desigualdades sociais em nosso país, faz com que pessoas de baixa renda concentrem suas atenções apenas naquilo que consideram indispensável a sua sobrevivência, como alimentação e moradia.

Nesta ordem de idéias, os problemas ambientais ficam relegados a um segundo ou terceiro planos, ou sequer ingressam na órbita de preocupação dessas pessoas, o que é ainda pior, e isso ocorre por diversos fatores, entre os quais: falta de informação, não-percepção do dano, ausência de motivação cultural, inadequação ou fragilidade dos recursos organizacionais disponíveis, como muito bem diagnosticou Mário Fuks(12) em sua obra.

Enquanto as condições mínimas de que falamos não forem implementadas pelo Estado, de forma a permitir o exercício dos demais direitos políticos, não limitado ao direito ao voto, inclusive os relacionados à cidadania ambiental, os bens e direitos sobre os quais incidam o interesse difuso ambiental ficam relegados a toda sorte, não autorizando, desta forma, a quem quer que seja, falar em omissão por parte do cidadão.

Notas:

(1) RAMOS, Elival da Silva. A ação popular como instrumento de participação política. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 226.

(2) SOUZA JÚNIOR, César Saldanha. A Crise da Democracia no Brasil, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 13.

(3) OLIVEIRA, Flávia de Paiva M. de; GUIMARÃES, Flávio Romero. Direito, meio ambiente e cidadania: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Madras, 2004, p. 100.

(4) ?Princípio 13 A fim de lograr um ordenamento mais racional dos recursos e, assim, melhorar as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado da planificação de seu desenvolvimento, de modo a que fique assegurada a compatibilidade do desenvolvimento, com a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano, em benefício de sua população?.

(5) CMMAD – Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. Relatório de Brundtland. Rio de Janeiro: FGV, 1988.

(6) SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político no pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2001.

(7) BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7.ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

(8) RAMOS, Elival da Silva. A ação popular como instrumento de participação política. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991.

(9) BARRETO, Vicente de Paulo. Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 110.

(10) BARROSO, Luiz Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. 4.ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Renovar. 2000, p. 85.

(11) FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 29 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. Apud ALVES, Sérgio Luís Mendonça. Estado poluidor. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p.49.

(12) FUKS, Mario. Mapeamento dos litígios ambientais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 1997, p.88.

Luiz Alberto Dantas de Vasconcelos é defensor público do Estado do Amazonas, mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Amazonas.