É estranho, mas sempre que assisto aos filmes da paixão de Cristo, nos quais é focado o seu brutal sofrimento físico, por mais que eu me esforce não consigo me compadecer a ponto de sentir-me em débito, ou mesmo grato, por ele ter morrido na cruz. É verdade que foi um duro martírio (o que é sempre chocante), mas martírios, infelizmente, a humanidade tem aos montes. Foram (e são) incontáveis as vidas injustamente tiradas, pois mortes violentas sempre fizeram parte do cotidiano da humanidade, desde o tempo das cavernas.
Sacrifício. Sagrado ofício. Ofício de morrer em nome de algo sagrado. Talvez seja essa a obsessão humana mais bizarra. As religiões fincaram suas raízes dogmáticas em cima de sacrifícios. O derramamento de sangue sempre simbolizou demonstração de devoção ao Divino. Que Deus sanguinário é esse? Posso estar errado, mas qual pai mandaria o próprio filho morrer? Será que esse Deus só se comunica com suas criaturas através de sacrifícios? Ou será que esse Deus só existe na cabeça dos homens violentos, daqueles que têm como verdade a purificação através do sangue derramado? Das duas, uma: esse Deus é sanguinário e nos fez à sua imagem e semelhança ou, ao contrário, o homem é que teria criado esse Deus sanguinário para justificar seu instinto assassino.
Dentro das minhas evidentes limitações, não entendo a passividade de Deus diante do calvário de Cristo. Se esse Deus conhecesse realmente a humanidade, saberia, desde logo, que o sacrifício do seu único filho seria em vão. Que o mundo é o mesmo, antes e depois de Cristo. A única mudança é que mais um dogma foi criado. Então, por que Ele prosseguiu com o seu plano de salvação através do sofrimento? Ou seria apenas um plano de expansão religiosa… Deus deixou seu filho a tal desolado ponto dele clamar aos céus: ?Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?? (Evangelho segundo Mateus, capítulo 27, verso 46).
Do calvário de Cristo, aliás, o maior exemplo de amor não veio de seu Pai-Deus, mas sim de sua mãe-mulher, que acompanhou, passo a passo, todo o seu martírio. Maria sofreu como toda mãe sofre ao ver, impotente, o castigo imposto a seu filho. No coração de uma mãe está a essência do cristianismo: ama o teu próximo como a ti mesmo. Se pudesse, ela mesma teria morrido no lugar de Cristo na cruz. Tudo isso porque diante de seus olhos quem morria não era o filho de Deus, e sim seu filho, de carne e osso, chamado Jesus. O mesmo filho que, em vão, chamava pelo pai.
E esse amor materno, maravilhosamente humano, foi esculpido na Pietá de Michelangelo: Maria com seu filho morto, tentando, num derradeiro abraço, trazê-lo de volta para a segurança do seu ventre.
Djalma Filho é advogado.