A Constituição Federal de 1988 fixou a possibilidade, em seu artigo 11, de que nas empresas de mais de duzentos empregados, da eleição de um representante dos trabalhadores com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores. A norma, embora não exclua texto legal complementar, é autoaplicável. Entretanto, nem os empregados diretamente, nem as entidades sindicais dos trabalhadores, e muito menos os empregadores, promoveram a efetivação do preceito. As razões do desinteresse geral se situam, entre outras, (1) tratar-se de um universo restrito, face o número reduzido de empresas com mais de duzentos empregados (2) a existência de representação sindical dos trabalhadores que promove o entendimento direto com os empregadores (3) a reivindicação pela implementação das comissões de empresa. O artigo 11, assim, é letra morta.

Há poucas comissões de empresa implementadas, basicamente na indústria automotiva em São Paulo e no Paraná. Em períodos de maior força do movimento sindical dos trabalhadores, as entidades sindicais introduziram como cláusula em suas pautas de reivindicação a organização sindical no local de trabalho. Sem sucesso, pois os empregadores sempre reagiram contrariamente a essa pretensão e os Tribunais do Trabalho não deferiam o pedido. A reação patronal ocorre, essencialmente, porque uma das marcas mais evidentes nas relações de trabalho é a onipotência do empregador no sistema hierárquico e de subordinação nas empresas. Esse posicionamento está evidenciado, historicamente, na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 2.º, que define o empregador o que assume, exclusivamente, os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços, o que, comumente, passou a ser conhecido como comando da empresa. Essa onipotência é complementada no artigo 3.º da CLT que, ao definir o empregado, é aquele que está na dependência do empregador e recebe salário em serviços não eventuais. Este texto de corte autoritário, confirmado pela doutrina e pelos julgados dos Tribunais, consubstancia o que passou a ser denominada como a subordinação jurídica e econômica do trabalhador diante da empresa.

O constituinte de 1988 agregou a esse poder de comando absoluto a consagração do direito de livre despedimento dos empregados exterminando a estabilidade decenal – embora de pouca eficácia – e remetendo ao texto complementar a sua regulamentação para fixar as normas da garantia de emprego, até hoje sabotada pelas forças conservadoras no Parlamento. Até mesmo a Convenção 158 da OIT – de vigência breve – foi denunciada pelo então governo federal neoliberal. E mais: a norma do artigo 7.º da CF/88, inciso XI, ficou no meio de caminho, pois regulamentada a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, a participação na gestão também virou letra morta e enterrada.

Restaram algumas tentativas. A Lei de participação nos lucros e resultados que posssibilita a formação de comissões de empregados para analisar a situação empresarial e fixar os parâmetros dessa participação, ou eram formadas e controladas pelo empregador, ou ineficazes diante da falta de condições técnicas e jurídicas para levar à frente as reivindicações dos trabalhadores. Essa impotência foi consagrada pela Justiça do Trabalho que se recusa a examinar as pretensões dos trabalhadores face a participação nos lucros e resultados. Finalmente, as Comissões de Conciliação Prévia não foram instaladas no âmbito das empresas, mas sempre são intersindicais ou sindicato-empresa. Ou seja, os empregadores não admitem qualquer sistema organizativo legal-sindical que possa vir a funcionar no âmbito empresarial.

Por isso, não é de se estranhar que nos debates sobre a organização sindical que se produzem no âmbito do Fórum Nacional do Trabalho este seja um dos pontos de controvérsia total. Não há fórmula que seja consensual entre empregados e empregadores. O atraso na concepção empresarial, a fragilidade sindical dos trabalhadores e os impeditivos legais são obstáculos a serem transpostos. A organização dos trabalhadores no local de trabalho e a participação na gestão das empresas são dois fatores revolucionários nas relações de trabalho, diretamente ligados à possibilidade de superarmos o atraso em que estamos.

A organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, portanto, tem dois vetores claros (1) a extensão e profundidade da organização sindical nas empresas, deslocando grande parte da solução dos conflitos jurídicos para aquele âmbito e promovendo um novo sistema negocial sobre condições de salário e de trabalho (2) democratizando a empresa, inserindo os trabalhadores em sua gestão, coresponsabilizando-os nas metas produtivas, visando o crescimento econômico. Não se trata, assim, de uma mera equação empregado-empregador. Mas de uma necessidade de governo e do país. Ou se transforma radicalmente o sistema de relações sindicais e de gestão empresarial em direção aos trabalhadores, ou continuaremos vinculados a velhos e rançosos padrões econômicos, sociais e políticos. O governo federal – no caso de inexistir consenso a respeito – tem a obrigação de propor a fórmula a ser aplicada, quer colhendo subsídios locais, quer baseado na experiência internacional sobre o tema.

Edésio Passos é advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e da Abrat, integrante da Comissão Nacional do Direito e Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e assessor técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Deputado federal na Legislatura 1990/1994. E.mail:

edesiopassos@terra.com.br
continua após a publicidade

continua após a publicidade