A ONU em xeque

A iminente ofensiva militar dos Estados Unidos ao Iraque traz implicações político-econômicas muito mais graves que a previsível derrota do regime de Saddam Hussein para o novo arranjo governamental que passaria a administrar o país, sob a batuta de George W. Bush e seus aliados, depois do encerramento do provável conflito. Este é, apenas, um dos resultados mais visíveis da guerra. Outro, inevitável, seriam as desnecessárias vidas humanas perdidas no conflito, um fato que, por si só, já justificaria uma dura condenação mundial à nova ofensiva bélica norte-americana contra o Iraque.

A guerra estimulada pelos Estados Unidos deve ser duramente repreendida porque não agride apenas a soberania iraquiana, mas a própria autoridade política conferida às demais nações do planeta por meio do organismo internacional que representa os povos de todos os continentes: a ONU. Permitindo que o conflito seja deflagrado, as nações que integram essa entidade estarão, mais uma vez, como sempre tem sido desde o pós-guerra, se curvando diante do domínio político-econômico-militar norte-americano. Mais do que isso: estarão confirmando a completa inutilidade dos organismos internacionais na solução dos conflitos militares entre os países.

Decididamente, não foi este o propósito que motivou a criação da ONU, em 1945. A instituição foi criada com o propósito de ser uma mediadora na solução de eventuais impasses diplomáticos que poderiam ameaçar a ordem mundial originária do pós-guerra, e na busca de alternativas para auxiliar o desenvolvimento dos países. Em resumo: a ONU deveria buscar a paz, a qualquer custo, evitando a repetição das barbáries que ocorreram nas duas guerras mundiais e em tantos outros conflitos armados internacionais deflagrados no planeta.

Não é o que vem acontecendo. Como tem ocorrido em quase todos os casos, a ONU, assim como a Otan e a OEA, têm se prestado ao lamentável papel de reprodutoras da política externa dos Estados Unidos. É verdade que, agora, a Otan está dividida diante da posição norte-americana quanto ao Iraque. Mas isto não significa que o resultado do impasse se traduzirá no impedimento de qualquer ofensiva militar dos Estados Unidos contra Saddam Hussein.

O problema da autoridade da ONU se agrava ainda mais quando consideramos as reais motivações que levam os norte-americanos a defender a guerra. Aliado incondicional da indústria bélica, notória financiadora das campanhas eleitorais dos candidatos do Partido Republicano, o governo dos Estados Unidos quer a guerra sobretudo porque deseja ter o controle das reservas petrolíferas iraquianas. E, ainda, porque quer reforçar suas posições em favor da ideologia neoliberal, uma postura já denunciada pelo cientista polonês Adam Przeworski numa obra clássica da teoria política contemporânea: A Falácia Neoliberal.

A guerra é desnecessária, todos o sabem. Mas, caso mantenha seu papel meramente decorativo no cenário diplomático internacional em assuntos dessa natureza, a ONU também o será, numa perspectiva de longo prazo, uma postura contrária à nova ordem internacional em favor da paz e do fim das desigualdades sociais. Definitivamente, o mundo não suporta tamanha omissão.

Aurélio Munhoz é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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