A obrigatoriedade do voto à luz do princípio democrático

          Aristóteles expõe que a democracia fundamenta-se nas três formas de governo, que são o governo de todos os cidadãos, o governo do povo, e de todos aqueles que gozam de cidadania (1).  É bem verdade que “a democracia existente na atualidade difere daquela vivenciada em Atenas em que o povo não escolhia representantes. Ele próprio deliberava, nas assembléias, exercendo o poder. Era a democracia direta. No mundo contemporâneo, os governantes são escolhidos pelo dono do poder, o povo, para exercê-lo em seu nome” (2).

          Dessa forma, democracia pode ser entendida como o governo que tem como característica primordial a soberania popular, a qual é exercida pelo povo. Assim, uma sociedade livre e democrática tem como fonte a influência popular no governo de seu Estado.

          A soberania popular, princípio básico do sistema democrático, é exercida por meio do sufrágio, que é aquele que diz respeito ao direito de votar e de ser votado, bem como ao direito de se envolver com partidos políticos e de propor ação popular.

          Esse direito de escolher seus representantes e participar efetivamente do Governo e da vida política do Estado é uma prerrogativa inerente ao conceito de cidadania.

          A Constituição Federal de 1988, mantendo a tradição do voto obrigatório iniciada com o Código Eleitoral de 1932, apresenta a partir de seu artigo 14, o capítulo dos Direitos políticos, que são aqueles que permitem ao cidadão intervir na vida política do Estado, por meio do voto e da elegibilidade.

          Dessa forma, a mesma Constituição Pátria que elenca os direitos que cada cidadão tem de participar do governo do Estado – demonstrando o Princípio Democrático existente no país – a partir do § 1º do artigo 14 apresenta a obrigatoriedade do voto, estabelecendo que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos e facultativos para os analfabetos, para os maiores de setenta anos e para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

          A partir da imposição legal ao cidadão – que deve participar do processo eleitoral – surgiram inúmeros argumentos contrários e favoráveis a essa obrigatoriedade do voto, principalmente quando analisados sob o foco do Princípio Democrático, que está presente no sistema jurídico brasileiro.

          Costuma-se afirmar (3) que a obrigatoriedade do voto se justifica, dentre outros argumentos, pelo fato de ser o voto um dever e não um mero direito do indivíduo, ou seja, o alistamento eleitoral, o comparecimento do eleitor ao local de votação, bem como o voto em si – independente se votou ou não em algum candidato – caracterizam o cumprimento de um dever jurídico do cidadão. Tanto que, se esse dever jurídico for descumprido, estará o eleitor em débito com a Justiça Eleitoral, conforme disposto no artigo art. 7º do Código Eleitoral, que prevê que o não cumprimento da obrigação imposta implicará em sanção de aplicação de multa ou a privação de direitos políticos ao eleitor.

          Há, por outro lado, quem defenda a idéia do voto facultativo(4), afirmando justamente que o voto não é um dever, mas sim o exercício de um direito ou liberdade de expressão de cada um. Estes afirmam que ao impor sua vontade aos cidadãos no sentido de obrigá-los a exercer sua cidadania, prevalece a idéia de que o Estado é o tutor das suas consciências.

            Portanto, verifica-se a importância da discussão acerca da obrigatoriedade do voto, bem como a interpretação dos requisitos que a ensejam, visando a que não seja tal imposição motivo para uma participação popular sem consciência política, o que seria prejudicial a todo o Sistema Eleitoral.

          A Constituição Federal de 1988 traz em seu núcleo o artigo 60, §4º, II, o qual determina que o direito ao voto se constitui cláusula pétrea, bem como a garantia do voto secreto, universal, direto e periódico.

          Ocorre que a obrigatoriedade do voto está disciplinada no artigo 14 da referida lei e não é considerada cláusula pétrea. Dessa forma, caso se pretendesse tornar o voto facultativo no Brasil, seria possível fazê-lo por Emenda Constitucional, tendo em vista que não se estaria abolindo o direito ao voto, somente tornando o exercício do direito facultativo, o que, inclusive, já existe para os maiores de 16 e menores de 18 anos e para os maiores de 70 anos de idade, bem como para os analfabetos.

          Dessa forma, pode-se dizer que a melhor opção para o Sistema Eleitoral como um todo é a transformação do voto obrigatório – por meio de Emenda Constitucional – em facultativo, na medida em que é um direito político assegurado para o exercício da democracia.

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(1) BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 5 ed. São Paulo:UNB, 2004, p. 319.

(2) PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 72

(3) SOARES, Paulo Henrique. Vantagens e Desvantagens do Voto Obrigatório e do Voto Facultativo. Revista Informação Legislativa. Brasília, a. 41. n. 161, jan/mar. 2004. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_161/R161-13.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2009.

(4) SOARES, loc cit.

 

O presente texto representa a síntese do trabalho de conclusão do curso de Direito da acadêmica Thaís Mazini Ferreira Muller, no Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba), sob a orientação do Prof. MSc Luiz Gustavo de Andrade.

 

 

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