Elias Mattar Assad

A OAB e o bonde da história…

O Ministério Público do Rio Grande do Norte processou o seu Estado por “falta de segurança pública” e restou vitorioso com condenação solidária de agentes públicos, fixando-se a pena pecuniária diária em cinco mil reais.

A condenação solidária recaiu sobre as pessoas físicas do Secretário de Justiça e Cidadania, Segurança Pública e Defesa Social, do Coordenador da Administração Penitenciária e do Delegado-Geral de Polícia.

O TJRN e STJ mantiveram a decisão: “Constitucional. Administrativo. Processual Civil. Ação civil pública. Direito à segurança. Precariedade do sistema prisional do Rio Grande do Norte.

Possibilidade do controle e da intervenção do Judiciário em matéria de políticas públicas quando constatada inércia e abusividade governamental. Cláusula da reserva do possível que não se presta ao óbice à garantia do núcleo consubstanciador do mínimo existencial. Manutenção da sentença objurgada.

O direito à segurança é o direito guardião dos direitos fundamentais, já que sem segurança todos os demais direitos valerão muito pouco ou quase nada, e o chamado Estado de direito se transforma no estado da desordem, da insegurança e do desrespeito à ordem juridicamente constituída.

A toda evidência, invioláveis o direito à vida, à liberdade e à segurança, pelo que, o mínimo que se pode exigir do Estado de Direito, numa interpretação sistemática do texto constitucional, é a garantia desses direitos, para que sejam realmente positivados, a fim de que essa mesma Constituição não seja uma simples folha de papel.

Dessa forma, não pode o Estado pretender, com fundamento nos limites impostos pela reserva do possível, criar obstáculo à função do Judiciário no controle das políticas públicas, em detrimento do direito difuso à segurança previsto constitucionalmente, escusando-se de garantir o bem-estar do homem, ou o mínimo existencial, que deve ser vetor quando do estabelecido das prioridades na gestão do Orçamento Público (…).

Admitindo de início que o dispositivo legal em tela autoriza a cominação de astreintes, objetivando o cumprimento de obrigação de fazer declarada em sentença …”

No STJ, (RE N.º 1.111.562 – RN /2008/0278884-5) o Ministro Castro Meira figurou como Relator e destacou: “…Na origem, trata-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público Estadual em desfavor do Estado do Rio Grande do Norte com o escopo precípuo de regularizar a situação reputada calamitosa decorrente da manutenção de presos provisórios – denominados de “presos de justiça”(…) em delegacias da Polícia Civil.

Isso ocorreu devido à falta de vagas nas cadeias públicas, em detrimento da função investigatória dos policiais civis e do direito difuso à segurança pública (…) Em decisão interlocutória de fls. 55-75, o juiz de primeira instância concedeu a antecipação de tutela requerida pelo Parquet Estadual para submeter o Estado a uma série de determinações e, ao final, deixou consignado que em caso de descumprimento de qualquer um dos itens da presente decisão, arcará o Estado, assim como o Exmo. Sr. Secretário de Justiça e Cidadania, com o pagamento de multa de R$ 5.000,00, e com relação à custódia indevida de presos em delegacia de polícia civil, mais R$ 5.000,00 por cada preso, igualmente a ser arcada pelo ente público e pelas autoridades mencionadas (…) a aplicação de multa diretamente ao agente administrativo constitui medida que não apenas encontra respaldo no ordenamento pátrio – amoldando-se à perfeição à vontade do legislador inscrita no art. 11 da Lei n.º 7.347/85, como também repercute de forma extremamente satisfatória na consecução da providência estipulada pelo magistrado em sua decisão.

Isso atende ao interesse público manifestado na presente ação civil pública sem recair na insidiosa dupla penalização da coletividade que adviria da cominação de multa tão-somente em desfavor do Estado…”

Observe-se que embora paradigmática a decisão, pouquíssimos ousaram a comentá-la. Enganei-me quando afirmei que nossa geração não veria decisões judiciais corajosas como esta. Acertei, contudo, quando prognostiquei que a OAB perderia o bonde da história…

Elias Mattar Assad é ex-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. eliasmattarassad@yahoo.com.br

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