A novíssima lei de entorpecentes (Lei 11.343/2006) e as modificações da ?ação controlada? ou ?não-atuação policial?

Ação controlada, segundo a Lei 9.034 de 3 de maio de 1995 é a técnica investigativa que consiste no retardamento da ação, necessariamente policial (em sentido estrito), repressiva, em favor do controle e do acompanhamento das ações ilícitas, até o momento mais oportuno para a intervenção.

O art. 2.º, inciso II, da Lei 9.034/1995 trata desse mecanismo específico de combate ao crime organizado sem aludir à dimensão internacional.

Para o professor Damásio de Jesus (2002), o objetivo da entrega vigiada é permitir que todos os integrantes da rede de narcotraficantes sejam identificados e presos e garantir maior eficiência na investigação.

A razão de ser do instituto é a enorme dificuldade encontrada pelos investigadores para identificar o destinatário da droga e demonstrar seu dolo, especialmente, se a droga descoberta foi abandonada, perdida ou não reclamada, por exemplo, em caso de passageiro de ônibus ou avião que ?esquece? a bagagem no terminal de desembarque, para que outro a encontre propositadamente.

Blanche Matos (2002), leciona que a ação controlada tem como característica principal o retardamento da intervenção policial, apesar de o fato criminoso já se encontrar numa situação de flagrância, permitindo a efetivação do chamado ?flagrante prorrogado ou diferido?.

A ação controlada e a entrega vigiada são terminologias diversas, embora usadas indistintamente, talvez porque ambas tenham idêntico objetivo: maior eficácia probatória e repressiva na medida em que possibilitam a identificação do maior número de integrantes de uma quadrilha ou organização criminosa.

O conceito de ação controlada é mais amplo, pois permite o controle e vigilância (observação e acompanhamento, no texto legal) de qualquer ação criminosa e não apenas a entrega vigiada de entorpecentes e de armas, pois é instrumento de largo espectro que pode ser utilizado na repressão de organizações criminosas ligadas ao contrabando e no pagamento ou recebimento de propina, na forma da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, incorporada legalmente por meio do Decreto 5.687/2006. Pode-se considerar, assim, que a entrega vigiada é uma das modalidades de ação controlada.

A Lei 11.343/2006 (novíssima lei de entorpecentes que revogou a Lei 10.409/2002), em seu art. 53, permite a utilização desse misto de mecanismo e técnica legal e investigativo policial com os seguintes traços peculiares:

– é procedimento investigatório;

– imprescinde de autorização judicial;

– oitiva do representante do Ministério Público;

– repressão de crime de tráfico de drogas e outros reprimidos pela Lei 11.343/2006;

– não-atuação policial permitida em lei;

– aplicação na repressão contra portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção;

– que objeto do delito e autores se encontrem no território brasileiro (não necessariamente todos os integrantes do grupo de traficantes ou da organização criminosa;

– finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível;

– autorização mediante conhecimento do itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

A entrega vigiada (na Lei 9.034/1995 é referida como ?ação controlada?) é aludida como procedimento previsto e recomendado pelas Nações Unidas, na Convenção de Viena de 1988 (Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas).

O artigos 1.º, alínea ?l? da referida convenção conceitua a entrega vigiada como a técnica de deixar que remessas ilícitas ou suspeitas de entorpecentes, substâncias psicotrópicas saiam do território de um ou mais países, que o atravessem ou que nele ingressem, com o conhecimento e sob a supervisão de suas autoridades competentes, com o fim de identificar as pessoas envolvidas em praticar delitos previstos na convenção.

Em 12/3/2004 foi editado o Decreto 5.015/2004, que incorpora ao ordenamento jurídico brasileiro a ?Convenção de Palermo? ou ?Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional?, adotada por 147 países, em vigor, internacionalmente, no mês de setembro do ano de 2003.

De plano se observa que a ?entrega vigiada? muito mais do que uma técnica operacional e de combate ao crime organizado, é uma técnica de investigação de infrações, ou seja, o órgão do Estado com atribuições para seu uso como recurso eficiente contra ações de organizações criminosas deve ser o de investigação penal, sob a supervisão do Ministério Público e do Poder Judiciário, com agentes de investigação especialmente treinados para tal atividade, o que, inevitavelmente, leva a conclusão de que deva ser exercida pela Polícia Judiciária.

Conforme a Convenção de Mérida (art. 2.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção) por ?entrega vigiada? se entenderá a técnica consistente em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, o atravessem ou entrem nele, com o conhecimento e sob a supervisão de suas autoridades competentes, com o fim de investigar um delito e identificar as pessoas envolvidas em sua ocorrência.

No mesmo sentido, o art. 7.º da Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e outros Materiais Correlatos (Cifta).

Ao contrário do que ocorre em relação à ação controlada quanto ao tráfico de drogas e de armas, a Convenção de Palermo e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção não especificam qual o objeto da remessa ilícita ou suspeita, ou seja, não há determinação de um objeto específico que deva ter a remessa e deslocamento controlado pelo órgão policial, admitindo, implicitamente, que seja o mais amplo possível, desde que associado a práticas relacionadas ao crime organizado.

A Convenção de Palermo, como convenção vocacionada ao combate do crime organizado transnacional, é um dos instrumentos atuais mais avançados existentes no mundo, com especial destaque para as medidas de cooperação jurídica ou assistência jurídica mútua e confisco de bens.

A ação controlada admite alternativas de execução, permitindo eleger, como procedimento operacional, a interdição, a substituição ou o acompanhamento da remessa, conforme seja mais oportuno ou adequado.

Deixou de ser condição para execução da ação controlada a solicitação formal ou prévio ajuste de compromisso entre as autoridades responsáveis, na origem e no destino, que ofereçam garantia contra a fuga dos suspeitos ou de extravio das drogas ilícitas. Embora a garantia contra a fuga e de extravio de drogas tenha deixado de ser uma exigência legal, persiste sua utilidade como recomendação para que o policial observe esses parâmetros, a fim de evitar questionamentos futuros.

Um ponto de crítica da antiga Lei 10.409/2002 e que persiste na Lei 11.343/2006 é o requisito exigido para a autorização judicial ?que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores?. A razão é que a técnica da ação controlada busca a real identificação dos integrantes de grupos de traficantes e se esses já fossem conhecidos e passíveis de individualização, ao tempo da representação policial, o recurso à ação controlada seria dispensável. Por outro lado, a não ser que haja informante ou interceptação telefônica, o Estado não tem como determinar um itinerário provável da droga; terá, na realidade, uma vaga idéia do itinerário, não mais que isso.

Embora haja dificuldades materiais, com as quais o Estado continuará se deparando para alcançar todos os integrantes da organização de criminosos como a insuficiência de informações sobre o destino final das cargas, mercadorias ou drogas ilícitas, a proporcionalidade e disponibilidade de recursos e a possibilidade de falta de acordo com as autoridades internacionais, a legislação federal assegura um instrumento eficaz de combate ao crime organizado que é a utilização da ação controlada, que deve estar atrelada às ações de inteligência policial.

Referências bibliográficas

GOMES, Rodrigo Carneiro. O crime organizado na visão da Convenção de Palermo, Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

JESUS, Damásio de. Entrega vigiada. São Paulo: fev. 2002. Disponível em: www.damasio.com.br. Acesso em: 8/2/2008.

MATOS, Blanche M. P. Crime organizado: considerações acerca de sua definição e dos meios operacionais de investigação e prova disciplinados pela lei específica. 12/4/2002. Disponível em: . Acesso em: 8/2/2008.

SANTOS, Getúlio Bezerra et al. Polícia de repressão ao crime organizado. Brasília: Academia Nacional de Polícia, 2007, 77 p.

SAADI, Ricardo Andrade; GOMES, Rodrigo Carneiro. Crime Organizado – crimes financeiros e lavagem de dinheiro. Brasília: Academia Nacional de Polícia, 2007, 70 p.

Rodrigo Carneiro Gomes é delegado de Polícia Federal em Brasília, professor da Academia Nacional de Polícia. Mestrando em Direito e Políticas Públicas. Autor do livro O crime organizado na visão da Convenção de Palermo, Ed. Del Rey, 2008, 272 f.

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