No limiar de uma nova era, o novo mundo que desponta traz consigo inúmeros desafios. Os efeitos da globalização apresentam-se inevitáveis. Época em que se busca a expansão do capital a qualquer custo.
Os consumidores procuram bens e serviços de menor preço, maior qualidade e diversidade. As informações deslocam-se com maior facilidade com o uso da informática e da tecnologia em geral.
As empresas fixam-se onde lhes proporcionam maiores vantagens fiscais e econômicas, para que possam aumentar seu lucro e, em contrapartida, apostam em tecnologia avançada que traz sérias conseqüências para o mercado de trabalho. A maior destas conseqüências é, sem dúvida alguma, o elevado índice de desemprego verificado mundialmente nos últimos anos.
Diante desta situação, um novo enfoque jurídico se afigura inevitável, especialmente pelo contexto político neoliberal, o da flexibilização da legislação trabalhista.
No Brasil, o apogeu da tentativa de implantação de medidas flexibilizadoras deu-se com o Projeto de Lei de n.º 5.483/2001, que propõe uma nova redação ao artigo 618, da CLT:
“Art. 618. Na ausência de convenção ou acordo coletivo firmados por manifestação expressa da vontade das partes e observadas as demais disposições do Título VI desta Consolidação, a lei regulará as condições de trabalho.
§ 1.º A convenção ou acordo coletivo, respeitados os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, não podem contrariar lei complementar, as Leis n.º 6.321, de 14 de abril de 1976 (PAT), e n.º 7.418, de 16 de dezembro de 1985 (Vale-transporte), a legislação tributária, a previdenciária e a relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, bem como as normas de segurança e saúde do trabalho.
§ 2.º Os sindicatos poderão solicitar o apoio e o acompanhamento da central sindical, da confederação ou federação a que estiverem filiados quando da negociação de convenção ou acordo coletivo previstos no presente artigo.”
Esse Projeto já foi aprovado na Câmara de Deputados e está tramitando no Senado Federal (com o n.º 134/02). A alteração do quadro político após a última eleição parlamentar pouco mudou na composição do Senado Federal. Se referendado o Projeto, estará facultada aos empregados e aos empregadores a celebração de acordos e convenções coletivas (estas firmadas entre Sindicatos), que fixem até mesmo direitos trabalhistas menos benéficos aos empregados que aqueles que figuram na legislação trabalhista (em especial na CLT). É o chamado “predomínio do negociado sobre o legislado”. Os únicos limites à ampla negociação estão nos direitos trabalhistas que constam na Constituição (art. 7.o), nas legislações tributária e previdenciária e mais o FGTS, o vale-transporte, o PAT e as normas de segurança e saúde no trabalho.
No processo de flexibilização, o Estado deve ser substituído pelos Sindicatos, os quais, por sua vez, constituirão a fonte autônoma do Direito do Trabalho, haja vista que o Estado abdica de seu papel de ditar e regulamentar as normas a serem observadas por empregados e empregadores (fonte heterônoma).
O que se espera com esse processo é que os Sindicatos e o patronato sejam capazes de criar normas mais específicas, fazendo uma espécie de sintonia fina ajustada à necessidade do processo econômico, tornando o modelo produtivo mais eficiente e gerando mais e melhores empregos.
Contudo, a grande questão é que esta novidade proposta pelo Projeto de Lei de n.º 5.483/01 e todo o processo de flexibilização da legislação trabalhista implica, por certo, em risco de abusos com sérios prejuízos para os empregados, para o mercado de trabalho e para a própria economia nacional, que depende do fortalecimento do mercado consumidor. Alie-se a isto o fato de que no Brasil não há a chamada pluralidade sindical, na qual o trabalhador escolhe livremente o Sindicato em que se filiará e que, de acordo com o Projeto de Lei, será o responsável por negociar direitos trabalhistas daqueles que nem tiveram a oportunidade de escolha de quem os iria representar nesta nova luta entre o capital e o trabalho, denominada camaleonicamente de “negociação”.
Tal como apresentado, o referido Projeto de Lei tem a pretensão de que a negociação coletiva venha gerir as crises das empresas, ou seja, busca um afrouxamento da carga legislativa trabalhista a fim de propiciar à classe empresarial facilidades para enfrentar os períodos econômicos que não lhes são favoráveis.
Então, trocando-se em miúdos, na prática o que se pretende é mais uma vez beneficiar o capital em detrimento do trabalho. Em contrapartida o Estado brasileiro, com influência neoliberal, propala a idéia de que se a medida legal for implementada os postos de trabalho estarão garantidos.
Parece válido afirmar que o flexibilizar brasileiro trará sérias conseqüências à classe trabalhadora sendo que não há qualquer garantia de que os mais diversos abusos poderão ocorrer. Aliás, o que nos parece é que se pode tudo em nome da preservação e da expansão do capital.
Desta forma, devemos refletir sobre o alerta feito pelo Professor Doutor Lenio Luiz Streck, em recente palestra proferida no IV Simpósio Nacional de Direito Constitucional, ocorrido nos 14, 15 e 16 deste mês, em Curitiba, de que as classes dominantes quando fazem negócios que envolvem capital-trabalho, não se contentam apenas em tirar dos trabalhadores os seus bens, mas pretendem “tirar-lhes também o corpo e a alma”.
Para amenizar o impacto social que o projeto de flexibilização trabalhista impõe e como “prêmio de consolação”, preservaram-se alguns direitos mínimos (direitos trabalhistas que constam na Constituição (art. 7.o), nas legislações tributária e previdenciária e mais o FGTS, o vale-transporte, o PAT e as normas de segurança e saúde no trabalho) que, por si só, não oferecem ao trabalhador a dignidade que lhe é inerente como pessoa humana.
Pensemos nisso!
Cristiane Budel é advogada, professora e consultora jurídica da Unidade de Ensino Superior Vale do Iguaçu (Uniguaçu – União da Vitória), mestranda em Direito Social e Econômico.