Modificou-se, outrossim, o § 2.º, acrescentando-se outros parágrafos, tudo a possibilitar, do ponto de vista legal, a realização do interrogatório por videoconferência nos exatos termos dos dispositivos abaixo transcritos, sob pena de se configurar prova ilícita a ser desentranhada dos autos (art. 157, CPP). A excepcionalidade e a fundamentação de tal medida estão expressas no texto legal, in verbis (grifamos):
“§ 2.º Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
“I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
“II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
“III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;
“IV – responder à gravíssima questão de ordem pública.”
“§ 3.º Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência.
“§ 4.º Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 deste Código.
“§ 5.º Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.
“§ 6.º A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.
“§ 7.º Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1.º e 2.º deste artigo.
“§ 8.º Aplica-se o disposto nos §§ 2.º, 3.º, 4.º e 5.º deste artigo, no que couber, à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido.
“§ 9.º Na hipótese do § 8.º deste artigo, fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor.”
Sobre este ato processual, na doutrina estrangeira, colhemos a lição de Juan Carlos Ortiz Pradillo, segundo a qual videoconferência “como un sistema de comunicación a distancia capaz de transmitir, en tiempo real y a la vez, la imagen, el sonido y los datos, entre personas situadas en dos o más lugares distintos, a través de la línea telefônica, fibra óptica, o vía satélite. En cada punto de conexión se utiliza un equipo compuesto por un televisor o monitor de alta resolución capaz de reproducir la imagen y el sonido, y un equipo de transmisión, de modo que se establece entre los distintos grupos de partícipes una comunicación bidirecional plena en tiempo real de un acto al que asisten personas que se encuentran en lugares diferentes, como si dicho acto tuviere lugar en la misma sala”(16).
No Direito Comparado(17), podemos citar como países que adotam a videoconferência para ouvida de acusados, a Espanha(18), a Itália(19), a França(20) e a Alemanha(21).
Apesar da previsão legal (o que parece satisfará os Ministros do Supremo Tribunal Federal), ainda entendemos, realmente, não ser o interrogatório o ato processual mais adequado para se utilizar os meios tecnológicos postos à nossa disposição e tão necessários à agilização da Justiça criminal(22). A tecnologia e os avanços da pós-modernidade, evidentemente, trouxeram indiscutíveis benefícios ao nosso cotidiano e devemos utilizá-los de molde a proporcionar a tão almejada eficiência da Justiça, mas com certa dose de critério e atentos ao princípio do devido processo legal(23). Importante atentarmos, neste aspecto, para Zigmunt Bauman:
“Seria imprudente negar, ou mesmo subestimar, a profunda mudança que o advento da ´modernidade fluida” produziu na condição humana. O fato de que a estrutura sistêmica seja remota e inalcançável, aliado ao estado fluido e não-estruturado do cenário imediato da política-vida, muda aquela condição de um modo radical e requer que repensemos os velhos conceitos que costumavam cercar suas narrativas. Como zumbis, esses conceitos são hoje mortos-vivos. A questão prática consiste em saber se sua ressurreição, ainda que em nova forma ou encarnação, é possível; ou se não for como fazer com que eles tenham um enterro decente e eficaz”(24).
Concordamos com Alberto Silva Franco, para quem “a videoconferência fere o direito a ampla defesa. Imagine um acusado em um presídio no interior do estado e o juiz, na capital, lhe fazendo perguntas. O advogado precisa estar com seu cliente, assessorando-o. A pergunta que fica é: quem vai fiscalizar o que constará da declaração do preso? Outro ponto é que o depoimento é feito dentro da própria prisão. Já imaginou a filtragem de informação que deve passar dentro do presídio sobre aquilo que o preso declarou ao juiz, ou sobre informações que ele deu sobre comparsas? O preso vai acabar sofrendo retaliações. E, por fim, considero que contato pessoal do juiz com o preso é um dos momentos fundamentais do processo penal, que não pode ser abolido”(25).
Para finalizarmos, e a título de ilustração, veja-se a norma que regulamenta o sistema de utilização da videoconferência em Alicante/Espanha para declaração de vítimas e testemunhas de crimes de violência doméstica, delitos sexuais, tráfico de drogas, prostituição, prisões ilegais e outros:
“1.- Se articula el presente sistema de comunicación entre Decanato de Alicante y Audiencia Provincial de Alicante para facilitar que por parte de los jueces de lo penal y secciones penales de la Audiencia Provincial de Alicante se puedan intercambiar el uso de la videoconferencia para facilitar las declaraciones de testigos-victimas de delitos de violencia domestica, agresiones sexuales, redes de prostitución, detenciones ilegales, tráfico de drogas y todos aquellos tipos penales en los que la autoridad judicial considere oportuno que la victima o testigo declare por el sistema de videoconferencia. 2.- La finalidad del sistema se dirige a preservar la intimidad en la declaración de la victima o testigo para evitar una “victimización secundaria” que supondría la declaración ante la presencia física del acusado en el juicio oral. 3.-. La viabilidad legal del sistema está incluida en la Disposición Adicional Unica de la Ley 13/2003 en la que se introduce un apartado 3.º al art. 229 LOPJ que tenía hasta la fecha dos apartados, estableciendo el segundo que: 2. Las declaraciones, confesiones en juicio, testimonios, careos, exploraciones, informes, ratificación de los periciales y vistas, se llevarán a efecto ante Juez o Tribunal con presencia o intervención, en su caso, de las partes y en audiencia pública, salvo lo dispuesto en la ley. En consecuencia, se adiciona al art. 229 LOPJ un nuevo apartado 3.º con el siguiente contenido: “Estas actuaciones podrán realizarse a través de videoconferencia u otro sistema similar que permita la comunicación bidireccional y simultánea de la imagen y sonido y la interacción visual, auditiva y verbal entre dos personas o grupos de personas geográficamente distantes, asegurando en todo caso la posibilidad de contradicción de las partes y la salvaguarda del derecho de defensa, cuando así lo acuerde el juez o tribunal. En estos casos, el secretario judicial del juzgado o tribunal que haya acordado la medida acreditará desde la propia sede judicial la identidad de las personas que intervengan a través de la videoconferencia mediante la previa remisión o exhibición directa de documentación, por conocimiento personal o por cualquier otro medio procesal idóneo.” Es decir, que con respecto a las actuaciones antes referidas en el apartado 2.º del art. 229 LOPJ de declaraciones, confesiones en juicio, testimonios, careos, exploraciones, informes, ratificación de los periciales y vistas será viable que se realicen a través de videoconferencia. 4.- El sistema de funcionamiento será el siguiente: Cuando el Presidente de una Sección Penal o un juez de lo penal considere que en un juicio concreto es posible ofrecer a la victima-testigo la declaración por videoconferencia y tras la aceptación por esta del ofrecimiento se comunicará recíprocamente, bien al Decanato por la Audiencia o viceversa, la necesidad de utilizar la videoconferencia que está ubicada en cada una de estas sedes. En este sentido, se anotará, bien en la Secretaría de Gobierno de la Audiencia Provincial bien en el Decanato de Alicante la oportuna reserva de las dos Salas respectivas de ambas sedes, en cada caso, para celebrar el juicio con el uso de la videoconferencia. Esta reserva inicial sería para el uso de la Sala de videoconferencia para la celebración del juicio oral y, al mismo tiempo, también se comunicaría en cada caso al Decanato o secretaría de Gobierno para que en el otro punto anotaran la reserva para que allí declarara el testigo o victima. Con ello, se habrían anotado las dos reservas: una para la celebración del juicio y otra para la declaración del testigo de forma cruzada. En este sentido, la víctima-testigo que tenga que declarar ante un juzgado de lo penal en un juicio oral se desplazará a la Audiencia Provincial para declarar desde la Sala de vistas ubicada en la Planta Baja, – sede del Jurado – en donde está ubicada la videoconferencia. A tal fin el juzgado de lo penal celebrará, a su vez, el juicio desde la sala en donde está ubicada la videoconferencia en la sede judicial de la C/ Pardo Gimeno, reservando en el Decanato de Alicante con la antelación suficiente el día y hora en el que se va a celebrar este juicio por el sistema de videoconferencia con víctimas-testigos que declaren por este sistema. Del mismo modo, cuando la Audiencia Provincial tenga que celebrar un juicio en donde exista un testigo-victima por alguno de los delitos antes referenciados, u otro en el que también se considere, comunicará al Decanato de Alicante la necesidad de utilizar la videoconferencia a fin de que el testigo-victima se desplace el día del juicio a la sede de Pardo Gimeno para declarar allí en el juicio que se celebra en la Audiencia. A tal fin, también, la Sección Penal de la Audiencia reservará en la Secretaría de Gobierno con la antelación suficiente la Sala de Juicio de la Planta Baja para establecer un orden en el uso de la misma. 5.- Para la acreditación de las personas que van a declarar por este sistema se utilizará la vía establecida en el art. 229. 3.º LOPJ antes citado, ya que será cada Secretario Judicial del órgano judicial, – bien juzgado de lo penal, bien Audiencia Provincia-, quien identifique al testigo-victima por la vía del apartado 3.º del art. 229 LOPJ. En Alicante, a 1 de Octubre de 2004.”
Notas:
(16) “El uso de la videoconferência en el proceso penal español”, São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais n.º 67/2007, p. 175.
(17) Informações extraídas do artigo de Juan Carlos Ortiz Pradillo, “El uso de la videoconferência en el proceso penal español”, São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais n.º 67/2007, p. 179 e segs.
(18) Em virtude do Convênio da União Européia relativo à assistência judicial em matéria penal, de 29 de maio de 2000 (art. 10). Atualmente, o emprego da videoconferência decorre da reforma na Ley de Enjuiciamiento Criminal (LECrim), por força da L.O. 13/2003, de 24 de outubro (arts. 306 e 325 da LECrim). Também na Espanha, conferir a LOPJ Ley Orgánica del Poder Judicial (art. 229.3).
(19) Primeiro País da Europa a regular o uso da videoconferência no processo penal, em 1992, por meio da Lei 7 de Agosto. Posteriormente, ainda na Itália, a Lei 11, de 7 de janeiro de 1998 detalhou a sua utilização. Depois, com a Lei 367, de 5 de outubro de 2001, introduziu-se um art. 205 ter no Codice di Procedura Penale que prevê o seu uso com países estrangeiros.
(20) Lei 2001-1062, de 15 de novembro de 2001 e Lei 2002-1138, de 9 de setembro de 2002, que modificaram o Code de Procédure Pénale (art. 706-61 c/c art. 706-5).
(21) A utilização da videoconferência na Alemanha já era permitida pelos tribunais antes mesmo de qualquer regulamentação legal. Em 1998, a Lei de Proteção de Testemunhas reformou vários dispositivos do Código de Processo Penal alemão (StPO), possibilitando a sua utilização, ainda que para ouvida de testemunhas.
(22) No livro “O Inumano, Considerações sobre o tempo”, Jean-François Lyotard afirmava que “a tecnologia auxilia na transformação dos meios de vida que, de um lado, pode representar alegria, mas, de outro, pode levar o homem ao desespero.” (apud Gilberto Thums, Sistemas Processuais Penais, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 183).
(23) A favor do interrogatório por videoconferência, Tatiana Viggiani Bicudo, para quem se trata apenas de “uma outra forma de apresentação do acusado ao juízo, como uma extensão digital da sala de audiência.” (“Interrogatório por videoconferência Um outro ponto de vista”, Boletim IBCrim, Ano 15, n.º 179, Outubro 2007, p. 23).
(24) Ob. cit., p. 15.
(25) Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2007.
Rômulo de Andrade Moreira é procurador de Justiça na Bahia. Foi assessor especial do procurador-geral de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-Unifacs, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da Unifacs. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador-Unifacs (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Autor das obras “Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria) e “Juizados Especiais Criminais” Editora JusPodivm, 2008, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008.
