Foi sancionado no dia 09 de dezembro último, pelo presidente Lula, parte do Projeto de Lei n.º 140/2009, dando origem a Lei Federal n.º 12.112/2009, que por sua vez altera sensivelmente a Lei nº 8.245/91, que cuida das locações de imóveis urbanos. A nova Lei do Inquilinato entrará em vigor em 45 dias, contados da sua publicação, ocorrida em 10 de dezembro passado.
Podemos agrupar as mudanças sob três óticas distintas. A primeira, concernente na adequação da Lei do Inquilinato às leis posteriores que a sucederam, como o Código Civil.
A segunda, incorpora ao texto normativo entendimentos jurisprudenciais correntes nos Tribunais. Por fim, destacam-se as alterações fundamentais, ligadas ao direito material e processual da relação entre locadores e locatários.
A antiga Lei do Inquilinato, em vigor desde 1991, carecia de revisão para adequação a outros diplomas normativos mais recentes, como o Código Civil de 2002 e a nova Lei de Falências.
Termos como “sociedade concubinária” foi excluído dando lugar à “dissolução da união estável” adequando-se, portanto, a Lei Civil. Além disso, a nova redação do artigo 40 faz menção à “recuperação judicial”, contemplando, via de conseqüência, as novidades da Lei 11.101/2005.
O legislador procurou incorporar no texto de lei alguns entendimentos jurisprudenciais sedimentados nos Tribunais. Por exemplo, a devolução do valor do imóvel antes do prazo estipulado mediante pagamento de multa “proporcionalmente ao período do contrato” já era a corrente adotada pela maioria das Cortes brasileiras, e agora está mais bem delineada na nova redação do artigo 4.º da nova Lei.
A alteração no artigo 68, inciso II, com a criação das alíneas “a” e “b” também pode ser citada como exemplo, uma vez que outorgou tanto para o autor, como para o réu, direito igual de deduzir pedido de aluguel provisório em ações revisionais, fato este que já havia sendo permitido pelos Tribunais, em decorrência do princípio da isonomia.
Sem dúvida, as mudanças serão objeto de profundos estudos, visando sua aplicabilidade em consonância com as demais normas que compõem o sistema jurídico como um todo.
Dentre as novidades trazidas pela nova lei destaca-se, primeiramente, a ampliação do rol de hipóteses de concessão de liminar em sede de ação de despejo.
A partir da entrada em vigor da lei, os despejos baseados em denúncia vazia podem ser deferidos liminarmente, ou seja, antes da prolação da sentença de mérito.
Do mesmo modo, os despejos baseados na falta de pagamento também podem ser acompanhados de pedido liminar, desde que o contrato esteja despido de garantias, nos termos da lei.
O legislador também restringiu a possibilidade de o devedor purgar a mora na ação de despejo. De acordo com a nova redação, não será admitida a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 meses anteriores à propositura da ação.
Desse modo, foi sensivelmente reduzida essa faculdade legal, antes admitida por duas vezes nos 12 meses imediatamente anteriores à propositura da ação. A nova lei também alterou o regime jurídico referente aos fiadores, que agora estão autorizados, em determinados casos, a se exonerarem de sua obrigação.
Pode-se citar, a título exemplificativo, a hipótese de término da locação por prazo determinado, findo o período contratualmente estipulado o fiador tem a faculdade de declinar a fiança mediante notificação prévia.
Sempre é bom ressaltar que a lei determina a vinculação do fiador num período de 120 dias após a exoneração, nos quais ele ainda será responsável pelos efeitos da garantia prestada. Evidente que, caso se perca a garantia, o locatário deve indicar novo fiador, sob pena de rescisão do contrato.
Outra mudança, talvez a mais importante e questionável de todas, refere-se ao procedimento nas ações renovatórias. A ação renovatória é o meio processual adequado para garantir a proteção do fundo de comércio do locatário, obrigando o locador a renovar compulsoriamente o contrato de locação comercial, se preenchidos os requisitos legais.
Na lei anterior, em caso de não renovação judicial do contrato a lei garantia ao locatário até 180 dias para desocupação do imóvel, contados a partir do trânsito em julgado da decisão.
Entretanto, a nova lei reduziu esse prazo para 30 dias, suprimindo também a expressão “trânsito em julgado”. A interpretação de tal mudança é que bastará uma sentença de improcedência ou extinção sem julgamento de mérito, em primeira instância, para autorizar a retomada do imóvel pelo locador, já que os recursos da lei em comento são recebidos apenas em seu efeito devolutivo.
Salvo melhor juízo, a redação do artigo deixa a questão em discussão. A simples supressão do termo “trânsito em julgado” não indica desde logo uma suposta autorização legal para retomada objeto da locação logo após o pronunciamento em primeira instância. A questão carece de maior reflexão, pois a retirada forçosa do locatário do imóvel poderá trazer-lhe danos irreversíveis.
Isso porque, em caso de inversão de julgamento pelo Tribunal, a chance do locatário retornar na posse é difícil, porque provavelmente não terá capital para tanto.
Além disso, há muitas chances de uma terceira pessoa, de boa-fé, estar locando o imóvel, hipótese em que haverá um conflito de direitos de solução provavelmente tormentosa.
Observa-se a intenção louvável do legislador em modernizar a Lei de Inquilinato, quer adequando-a a novos conceitos introduzidos por leis ulteriores, quer incluindo em seu texto entendimentos jurisprudenciais já consagrados.
Uma das principais intenções foi de coibir o inadimplemento, outorgando maior segurança às relações locatícias. As mudanças mais sensíveis, principalmente aquela acima tratada deverão ser profundamente analisadas, e com cautela redobrada, a fim de que seja observada a vontade do legislador, bem como o ordenamento jurídico como um todo.
Marcelo Dornellas de Souza é professor de Pós-Graduação do Curso MBA – Gestão de Franquias – da Fundação Instituto de Administração (FIA) e membro do Conselho de Orientação e Árbitro da ABAR – Associação Brasileira de Arbitragem e da Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo.
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