Está em franca discussão, no Senado Federal, o novo modelo jurídico proposto pela nova Lei de Falências (Projeto de Lei da Câmara n.º 71/03), para a recuperação judicial e a falência dos empresários e das sociedades empresárias.

O projeto pretende introduzir na legislação nacional modificações prejudiciais para o trabalhador brasileiro, uma vez que sujeita os seus créditos alimentares ao plano de recuperação judicial da empresa, agravando a sua condição jurídica em relação ao que dispõe a atual Lei de Falências, de 1945, na qual os créditos privilegiados – inclusos os decorrentes dos contratos de trabalho – simplesmente não são alcançados pela concordata, que apenas obriga os credores quirografários. Ou seja, atualmente o trabalhador brasileiro pode buscar a satisfação de seus créditos, mesmo em face de empresas concordatárias, no âmbito da Justiça do Trabalho, tendo o direito inalienável de havê-los nas épocas certas, sob pena de juros moratórios e correção monetária. Já pela nova Lei de Falências, a empresa sob recuperação judicial – que substituirá a concordata – poderá quitar os créditos de natureza trabalhista, aí inclusos salários e direitos de rescisão, no generoso prazo de até um ano. Isso é inadmissível, se consideramos tratar-se, em larga medida, de créditos de estrita natureza alimentar.

A par disso, este projeto introduz outro retrocesso lancinante, que é a elisão da responsabilidade trabalhista do sucessor, fazendo tabula rasa do sistema instituído pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) há mais de meio século. Por exemplo, quem adquire o estabelecimento do falido não responde pelos créditos trabalhistas pendentes. Em suma: há apropriação capitalista do trabalho da pessoa humana, mas não há contraprestação equitativa, já que o antigo titular é insolvente e o atual é juridicamente irresponsável. Não há segurança econômica que justifique tamanha violência aos direitos históricos da pessoa trabalhadora.

E se não bastasse, o projeto ainda limita o privilégio dos créditos trabalhistas e acidentários, na classificação geral dos créditos na falência, a 150 salários mínimos. O que ultrapassar isso tornar-se-á crédito quirografário. Tal limitação não é adequada, uma vez que, no geral, o montante de 150 salários mínimos só bastará para satisfazer tantos quantos recebam até o equivalente a US$ 350 por mês (em geral, isentos de imposto de renda), excluindo boa parte dos créditos dos trabalhadores de renda média. Outrossim, trata-se de outro revés histórico para o trabalhador nacional, que desde 1977 tem em seu favor, nas falências, o privilégio absoluto para salários e indenizações, sem limites quantitativos.

A espoliação dos direitos trabalhistas nos contextos de insolvabilidade empresarial, falência e recuperação, não vai favorecer significativamente a economia do País, que precisa de demanda efetiva e não de arrocho. Assim, se por um lado o projeto não traz qualquer benefício ao trabalhador – bem ao contrário, prejudica-o -, tampouco aproveita ao setor produtivo, se o solapamento do crédito trabalhista importar em retração de demanda e precarização, com efeitos funestos no consumo.

Assim, fica-nos a dúvida: afinal a quem interessa, na atual redação, a nova Lei de Falências?

Guilherme Guimarães Feliciano é juiz do trabalho e membro da Comissão Legislativa da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

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