A nova Lei Concorrencial brasileira: o carro na frente dos bois?

Nos termos do artigo 170 da Constituição Federal, a livre concorrência é princípio da Ordem Econômica, ao lado, da soberania nacional, propriedade privada, defesa do consumidor e busca do pleno emprego.

O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é atualmente regulado pela Lei Concorrencial e é composto por três órgãos: a Secretaria de Acompanhamento Econômico SEAE, vinculada ao Ministério da Fazenda; a Secretaria de Direito Econômico SDE, vinculada ao Ministério da Justiça e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE, autarquia autônoma. Recentemente foi submetido ao Congresso Nacional projeto de lei de iniciativa do Ministério da Justiça que visa a alterar esta lei e criar o chamado Novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (?Projeto?).

O Projeto, se aprovado, alterará de maneira substancial as atuais formas de controle dos atos de concentração (fusões, aquisições, etc.) previstas na Lei Concorrencial. Atualmente, caso uma das partes envolvidas na operação tenha registrado faturamento bruto anual equivalente a R$ 400 milhões de reais no país, qualquer parte deve submeter ao CADE o ato de concentração a priori i.e., antes da efetivação da operação, ou a posteriori, i.e., até 15 dias após a efetivação da operação.

Na prática, quase a totalidade das submissões é feita a posteriori para evitar os transtornos que seriam causados caso a operação ficasse aguardando uma decisão do CADE que, nos casos um pouco mais complexos, demora. O tempo é um fator essencial em qualquer decisão. Costuma-se dizer que uma decisão judicial justa é também uma decisão rápida. Na esfera do CADE não é diferente e é exatamente sob a ótica do fator tempo que o Projeto deve ser analisado.

A maior mudança trazida pelo Projeto é a de que os atos de concentração deverão ser necessariamente submetidos para aprovação prévia do CADE. Se de um lado a submissão a priori segue a tendência mundial, de outro traz grande preocupação porque a perdurar a demora das decisões do CADE, a pretendida operação ficará paralisada afetando a desejada agilidade das transações empresariais.

É verdade que o Projeto preocupou-se em imprimir ao CADE maior agilidade, mas a nosso ver, sem sucesso. Nesse sentido, impôs à maioria das etapas de análise dos atos de concentração prazos máximos específicos que, se não cumpridos, acarretam na aprovação da operação por decurso de prazo, bem como na responsabilização pessoal do agente responsável visando evitar, como se faz hoje, a prorrogação sine die do prazo máximo de 60 dias que o CADE tem para julgar os atos de concentração e que evita a aprovação da operação por decurso de prazo.

No entanto, o Projeto falha ao propositadamente deixar algumas etapas da análise sem prazo definido, o que poderá acarretar em um retardamento semelhante ao que se enfrenta hoje. Melhor seria definir um prazo máximo para o CADE julgar os atos de concentração como, por exemplo, de 180 dias que seria improrrogável e não passível de suspensão ou interrupção.

Foi também preocupado com a celeridade que o Projeto propõe a supressão da análise concorrencial pela SDE. Melhor seria, no entanto, a unificação de todos os guichês em um único, seguindo o bom exemplo de outros países, suprimindo também a análise concorrencial pela SEAE.

Por fim, o Projeto pretende alterar o critério do faturamento das partes envolvidas em uma operação, prevendo que devem ser submetidas ao CADE as operações nas quais uma das partes tenha tido no último ano faturamento bruto anual mínimo de 150 milhões de reais e a outra de 30 milhões de reais, ambos no país. O objetivo é reduzir o número de operações que são submetidas ao CADE em aproximadamente 30%. No entanto, nada garante que a pretendida redução será alcançada. Um estudo preliminar realizado pela Tendências Consultoria pelo contrário, afirma que ?devem ficar estáveis ou inclusive aumentar marginalmente?. Isto sugere a necessidade de melhor avaliação da mudança de critério.

Apesar da dificuldade em se chegar a valores ideais, entendemos que melhor seria que o Projeto estabelecesse valores maiores, bem como dispusesse que tais valores devam ser anualmente testados, sendo facultado ao órgão, aumentá-los, mas nunca diminuí-los.

A reforma do Sistema Brasileiro de Concorrência é fundamental, mas não se deve colocar o carro na frente dos bois. O ideal seria que primeiro fosse aprovada uma Lei organizando a carreira no CADE e conferindo ao órgão melhores condições de desempenhar o seu papel fundamental de guardião da livre concorrência, do que colocar um faca no pescoço de seus conselheiros exigindo-lhes celeridade a todo o custo.

Ao que parece, o Governo tem mais pressa em aprovar o Projeto que lhe servirá de legado político, que efetivamente agilizar a aprovação dos atos de concentração pelo CADE, deixando às empresas importante legado que consagraria a reconhecida melhor das intenções dos dirigentes dos nossos Órgãos de Defesa da Concorrência.

Luciano Dequech é especialista em direito do consumidor e concorrencial, mestrando em direito civil e advogado em São Paulo.

Ralph Sapoznik é mestre em Law and Economics pela Universidade de Chicago, advogado no Brasil e em NY, administrador financeiro, representante do Brasil no Latin America Financial Strategy Seminar.

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