A nova competência da Justiça do Trabalho: Servidor público

I – Introdução

Após 13 anos de tramitação no Congresso e a realização de inúmeros debates acerca da matéria por parte dos representantes do Executivo, da Magistratura e da Advocacia, foi promulgada a Emenda Constitucional n.º 45/2004, a qual ficou alcunhada como "Reforma do Judiciário", albergando alguns pontos de consenso, sem prejuízo de posterior complemento de outras questões salutares por parte do poder constituinte derivado-reformador.

Para os operadores do direito do trabalho as alterações foram substanciais, implicando sensível aumento da competência material da Justiça do Trabalho, conforme se ilai da simples leitura da nova redação do art. 114 da CF. Outras questões circunscritas ao direito laboral também merecem menção a título ilustrativo, tais como:

– Retorno à composição original para o Tribunal Superior do Trabalho: dos atuais 17 ministros a Casa retorna aos 27 ministros previstos na CF/88 e que foi reduzida em razão da extinção do cargo de ministros classistas.

– Instalação de Varas Itinerantes do Trabalho, nos termos do art. 115, § 1.º.

– Exigência de três anos de atividade jurídica para o ingresso na carreira de magistrado, nos termos do art. 93, inciso I.

– Vedação do exercício da advocacia por três anos para os juízes aposentados ou exonerados no juízo ou Tribunal do qual se afastaram, art. 95, inciso V.

1. A nova redação do artigo 114 da CF

Oportuno transcrever a redação do art. 114 da Constituição Federal, alterada pela Emenda Constitucional n. 45:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

II- as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III- as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV- os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V- os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII- a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX- outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

De uma simples leitura do novo art. 114, incisos I a VIII da CF, verifica-se que são inúmeras e relevantes as alterações do referido dispositivo que amplia a competência material da Justiça do Trabalho em prestígio a esse órgão judicante. Vejo com bons olhos a ampliação da competência, vez que esta justiça especializada, mesmo com suas mazelas, é mais célere, simplificada e mais moderna quando comparada com a Justiça Comum Estadual e Federal. Não por acaso que várias alterações recentes do CPC surgiram por inspiração do Processo do Trabalho, a exemplo da citação postal e da interrupção do prazo prescricional a partir do simples ajuizamento da ação.

2. Competência para julgar as ações dos servidores públicos.

O texto promulgado deixa claro que a nova competência da Justiça do Trabalho não se limita a julgar as relações de emprego, incluindo, doravante, todas as formas de relação de trabalho. Em relação aos entes de direito público externo e de toda a administração pública direta e indireta, observa-se flagrante hesitação dos parlamentares, vez que, no texto original, havia exclusão expressa dos funcionários públicos estatutários, assim constando:

Art. 114, inciso I: – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação;

No momento da publicação do texto (DOU: 30.12.04) houve supressão da segunda parte do dispositivo em epígrafe, ensejando eloqüente sentido de trazer para a alçada da Justiça do Trabalho todos os servidores públicos, celetistas e estatutários, ocupantes de cargos criados por lei de provimento efetivo ou em comissão.

Não nos parece adequada essa opção legislativa, máxime porque os servidores estatutários são informados por princípios próprios do Direito Administrativo que em nada se identificam ou se aproximam das relações de trabalho travadas entre particulares. Parece-nos que a solução correta era justamente aquela que já se encontrava assente na doutrina e na jurisprudência: – servidores públicos estatutários federais, competência da Justiça Federal; – servidores públicos estatutários estaduais e municipais, competência da Justiça Estadual; – servidores públicos celetistas – competência da Justiça do Trabalho.

Veja-se que em relação ao servidor celetista, o regime jurídico é híbrido, na medida em que mescla regulamento e princípios próprios do empregado celetista com alguns princípios constitucionais da administração pública, previstos na Carta Constitucional. Logo, diante dessa característica, é plenamente justificável que apenas os litígios do servidor celetista sejam instruídos e julgados pela Justiça do Trabalho.

Sob os mesmos argumentos, é inadmissível que os estatutários pertencentes ao Direito Administrativo sejam atraídos para uma justiça especializada que examina precipuamente contratos de trabalho. Repare que o viés contratual é bem diferente do viés estatutário, no que tange à aplicação de normas, princípios e soluções. Tal fato, por si só, já justificaria o afastamento da competência da justiça trabalhista para examinar questões de servidor público estatutário. Sob estes argumentos, recentemente, o STF, julgou em sede liminar, a ADI n. 3395-6 interposta pela Ajufe – Associação dos Juízes Federais.

Destarte, até o julgamento do mérito dessa decisão, não cabe mais qualquer discussão hermenêutica, estando alijados da nova competência trabalhista os litígios envolvendo os servidores estatutários. Não se negue o efeito erga omnes próprio dessa espécie de decisão de controle concentrado de constitucionalidade, o qual vincula todos os órgãos do Judiciário e da Administração Pública. Exegese do art. 28 da Lei 9868/99 e do novo art. 102, § 2.º., da CF.

Há outras novidades relevantes ao operador do Direito do Trabalho, constantes da nova redação dada ao art. 114, incisos I a VIII e que serão apreciadas na continuidade deste estudo.

José Affonso Dallegrave Neto é advogado; mestre e doutor em direito pela UFPR; professor da APEJ e da FIC; professor convidado da Faculdade de Direito de Lisboa; membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e da Academia Nacional de Direito do Trabalho.

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