No último dia 19 de fevereiro, inúmeras empresas viram-se obrigadas ao recolhimento do Risco de Acidente de Trabalho – RAT, com a incidência do multiplicador denominado “Fator Acidentário de Prevenção – FAP”, ocasionando rigorosa oneração do setor privado nacional. Segundo informações do Ministério da Previdência Social, este fator multiplicador – que atingiu um universo de 952.561 empresas – servirá para “ampliar a cultura da prevenção dos acidentes e doenças do trabalho”(1).
À boa compreensão do alcance da medida, faz-se necessária a apresentação de um breve apanhado histórico de tais institutos acoplada a uma sucinta menção a alguns aspectos legais inerentes a estes.
O RAT foi criado por meio da Lei 8.212/91, com o objetivo fundamental de obrigar a empresa a contribuir para o financiamento dos benefícios previdenciários concedidos em razão de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais a ele equiparadas. Adotando-se a sistemática estipulada na referida legislação, conforme o grau de risco da empresa – definido pelo Conselho Nacional da Previdência Social -, havia obrigação ao pagamento da alíquota de 1% (risco leve), 2% (risco médio) ou 3% (risco grave), calculados sobre o total das remunerações pagas pela empresa aos empregados e aos trabalhadores avulsos.
O FAP, criado por meio da Lei 10.666/2003, nada mais é do que um índice composto basicamente por variantes de freqüência, gravidade e custo, que pode diminuir (até 50%) ou majorar (em até 100%) o RAT, em razão da comparação do desempenho da empresa pagadora (contribuinte) com as demais que estejam inseridas na mesma Subclasse da Classificação Nacional da Atividade Econômica – CNAE. Portanto, a alíquota do RAT poderá ser reduzida ou majorada pela aplicação do FAP, variando conforme o número de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais da empresa pagadora e o número de acidentes e doenças do trabalho das demais empresas que praticam idêntica atividade econômica.
A princípio, assimila-se que o RAT e o FAP visam, por via indireta, majorar as contribuições da empresa, na medida em que ela tenha um índice ou número de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais, que ultrapasse a média do seu segmento.
Assim, sob o manto da contribuição patronal vinculada à maior ou menor incidência acidentária e a pretexto de resguardar a segurança e dignidade do trabalhador, em setembro de 2009, o Ministério da Previdência, por meio do Conselho Nacional da Previdência Social, além de apresentar os valores do FAP de cada empresa, reavaliou o grau de risco destas. Analisando estas alterações conjuntamente (majoração do RAT e incidência do FAP), fácil foi constatar que, como regra, as empresas foram submetidas a uma significativa majoração do valor pago.
Por conta do evidente gravame, a majoração deste tributo passou a ser interpretado como mais uma oportunidade arrecadatória do Governo, que notoriamente é de uma voracidade exacerbada, retirando o caráter social que diz possuir.
A par disso e em decorrência de inúmeras e evidentes inconstitucionalidades e ilegalidades existentes no procedimento de implantação do FAP e da reclassificação do grau de risco do RAT, uma série de empresas, sindicatos e federações ingressaram com ações judiciais visando ao não pagamento destes tributos.
A Justiça Federal tem recepcionado as teses das empresas contribuintes, determinando a pronta suspensão das novas alíquotas, via concessões de liminares e tutelas antecipadas. Tantas são as ações judiciais que o Ministério da Previdência Social já avalia a possibilidade de suspender a aplicação do FAP.
Não obstante a grande possibilidade de êxito nas ações judiciais e o pronunciamento do Ministério da Previdência Social, que poderão levar as empresas ao não recolhimento deste tributo, cabe destacar que a finalidade social do instituto – que, em tese, visa a proteger a saúde e a dignidade do trabalhador -, mais dia, menos dia, poderá vingar, bastando a edição de normas rigorosamente adequadas à Constituição e às leis que regulam o assunto e efetiva transparência da metodologia adotada. Se e quando ocorrer, as empresas poderão ser constrangidas a pagar a contribuição em decorrência dos acidentes de trabalho e doenças a ele equiparadas, conforme as suas específicas e efetivas realidades, o que anima a sugerir que, desde logo, devam adotar procedimentos eficazes no combate à ocorrência de tais eventos danosos à saúde de seus empregados.
Cumpre destacar ainda que a ocorrência de acidente de trabalho ou de doença ocupacional, além dos nefastos e indiscutíveis prejuízos causados à sociedade como um todo, e da majoração do RAT e do FAP, pode ainda acarretar outros prejuízos à empresa, como o pagamento de indenizações ao trabalhador (dano moral, pensão etc.) decorrente da legislação civil (art. 186 e 927 e seguintes do Código Civil), e o ressarcimento, ao órgão previdenciário, do benefício pago por este ao trabalhador (art. 120 da Lei 8.213/91).
Por fim, seja pelo aspecto social de proteção da dignidade do trabalhador, seja sob o viés da função social da empresa, quando menos, pelo impacto financeiro que os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais podem gerar, independentemente da ilegalidade do tributo acima tratado, cabe à empresa zelar pela saúde de seus colaboradores, adotando medidas e procedimentos eficazes no combate à ocorrência de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais.
Nota:
(1) Disponível em: http://www2.dataprev.gov.br/fap/fap.htm. Acesso em: 2 de março de 2010.
Coluna sob responsabilidade dos membros do Projetode Pesquisa do Mestrado em Direito do Unicuritiba: Livre Iniciativa e Dignidade Humana (Ano II), liderado pelo advogado e Prof. Dr. Carlyle Popp e pela advogada e Profa. M.Sc. Ana Cecília Parodi. grupodepesquisa.mestrado@ymail.com.
Esta coluna tem compromisso com os Objetivos para o Desenvolvimento do Milênio.
Cleverson José Gusso é advogado integrante da sociedade de advogados Gomes Coelho & Bordin. Professor da Facinter, mestrando do Centro Universitário de Curitiba-Unicuritiba e membro pesquisador do Projeto Livre Iniciativa e Dignidade Humana. cleverson@labore.adv.br