Jorge de Oliveira Vargas/ André de Moraes Maximino

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Muito se tem discutido sobre o poder liberatório do pagamento dos tributos, atribuído aos precatórios pelo § 2.º do art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 30 de 13 de setembro de 2000.

É por demais conhecido o calote institucionalizado do não pagamento ou pagamento tardio dos precatórios.

O precatório, como se sabe, é uma requisição de pagamento feita por intermédio do presidente do tribunal competente, nos termos do art. 730, I do CPC. Não se trata de mera comunicação, mas de uma ordem judicial; ordem que reiteradamente é descumprida. A Fazenda Pública simplesmente não paga suas dívidas; institucionalizou, como já se disse, o calote.

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Ignora o contido no § 1.º do art. 100 do Texto Magno que lhe obriga a incluir, no orçamento, verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários.

Para tentar conciliar os interesses da Fazenda Pública, que sempre alega, porém não demonstra, impossibilidade de pagamento dos precatórios diante de outras prioridades do Estado, como saúde, educação e segurança e o interesse do credor de receber o que lhe é devido, o constituinte, através da Emenda Constitucional n.º 30, trouxe duas regras especiais:

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Para atender aos interesses da Fazenda Pública instituiu uma moratória de dez anos de sua dívida. Por outro lado, para garantir que com essa moratória o credor receberia seu crédito, atribuiu aos precatórios não liquidados, apesar dessa moratória, o poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.

A primeira das regras, a moratória, está sendo rigorosamente cumprida, porém a segunda, a do efeito liberatório, está sendo ignorada em grande parte.
O pacto constitucional só funcionou para a Fazenda Pública e se tornou apenas mais uma decepção para o credor.

É por isso que há necessidade de uma reflexão a respeito da natureza jurídica desse efeito liberatório.

Qual o seu conceito? Qual a sua eficácia?

Esse efeito liberatório se confunde com a compensação prevista no art. 170 do Código Tributário Nacional?(1) Depende de lei para ter eficácia?
É uma nova espécie de compensação, autoaplicável?

É uma nova modalidade de extinção do crédito tributário? Ou uma espécie de pagamento, uma vez que o art. 3.º do Código Tributário Nacional fala que tributo é uma prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir? O precatório com poder liberatório equivale a essa modalidade de valor?

Pode ser uma dação em pagamento sui generis?

São questões que precisam ser enfrentadas não só em nome da legalidade, mas também da moralidade administrativa.

Título com poder liberatório equivale a moeda.

Sacha Calmon Navarro Coelho leciona que tanto faz pagar os impostos em moeda ou em valores que nela se possam exprimir, como de resto predica o art. 3.º do CTN (moeda, cheque, estampilha, títulos dotados de poder liberatório específico, créditos legítimos de natureza fiscal)(2).

A Emenda Constitucional n.º 30 instituiu, através do poder liberatório, uma garantia constitucional, ao contribuinte, de desfazimento de seu vínculo obrigacional tributário com a Fazenda Pública.

Se for equiparado com compensação, não está sujeito a lei, nos termos do art. 170 do Código Tributário Nacional, pois as condições de sua eficácia já foram fixadas na Constituição Federal: a moratória de dez anos em favor da Fazenda Pública.

A norma constitucional, no caso, é autoaplicável, faltando competência ao legislador infraconstitucional para reduzir-lhe os efeitos.

Pode ser considerado uma nova forma de extinção de crédito tributário, caso não se entenda que é uma forma de pagamento em sentido amplo.

O precatório com efeito liberatório se constitui num título de crédito, cuja cessão é permitida, nos termos da parte final do citado art. 78.

Se a cessão é permitida à terceiros, também é permitida à Fazenda Pública, o que caracteriza a dação em pagamento prevista no art. 358 do Código Civil.

Nesse caso o consentimento da Fazenda Pública é compulsório, por imposição constitucional.

Portanto, quer se identifique o poder liberatório atribuído pela Constituição Federal aos precatórios, como moeda, compensação que independe de norma infraconstitucional, forma de pagamento em sentido amplo, uma nova modalidade de extinção de crédito tributário ou dação em pagamento em sentido amplo, o importante é que se lhe garanta a eficácia de liberação do contribuinte do pagamento de tributos da entidade devedora, e isso de maneira incondicionada. Só assim a Constituição não estará sendo cumprida em tiras, ou seja, cumprida apenas na parte que favorece a Fazenda Pública com a moratória.

Notas:

(1) A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

(2) COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro : Forense, 2007, p. 825.

Jorge de Oliveira Vargas é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, mestre e doutor em Direito Público pela Universidade Federal do Paraná, professor de direito processual tributário na UTP e de processo civil na Unibrasil.

André de Moraes Maximino é acadêmico. 10.º período da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.