As organizações ?Terra de Direitos?, MST e CPT vêm divulgando os fatos relacionados com a morte de um dos dirigentes do MST, Valmir Mota de Oliveira, o Keno. O jornal ?Brasil de Fato? tem noticiado amplamente os acontecimentos. Por sua vez, a empresa envolvida Syngenta apresenta seus esclarecimentos a respeito. Dada a relevância do tema que envolve a luta dos trabalhadores sem terra e suas organizações na região oeste do Paraná, apresentamos os principais pontos dos acontecimentos, com base nos relatos e informações de referidas fontes.
A morte do líder do MST
No dia 21 de outubro, cerca das 13h30, o acampamento da Via Campesina, no campo de experimentos transgênicos da transnacional suíça Syngenta Seeds, em Santa Tereza do Oeste (PR), foi atacado por milícia armada. O militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e membro da Via Campesina, Valmir Mota de Oliveira (conhecido como Keno), foi executado à queima roupa com dois tiros no peito. Os trabalhadores Gentil Couto Viera, Jonas Gomes de Queiroz, Domingos Barretos, Izabel Nascimento de Souza e Hudson Cardin foram gravemente feridos. Um dos integrantes da milícia foi morto. Keno tinha 34 anos, três filhos e militava no MST desde os 17 anos de idade. Segundo Roberto Baggio, coordenador da Via Campesina no Paraná, ?Keno era um brigadista do MST, responsável por tarefas de articulação e formação do movimento, dedicado em tempo integral para isso?.
O campo de experimento da Syngenta
A reocupação da área da Syngenta havia acontecido no mesmo dia, por cerca 150 agricultores. O campo de experimento da Syngenta havia sido ocupado pelos camponeses em março de 2006 para denunciar o cultivo de sementes transgênicas de soja e milho. Em novembro de 2006, o governador Roberto Requião desapropriou, por interesse público, área de 127 hectares da empresa, mas, em fevereiro de 2007, houve decisão judicial suspendendo a desapropriação e determinando a reintegração da área. Após 16 meses, no dia 18 de julho deste ano, as 70 famílias desocuparam a área da Syngenta se deslocando para um local provisório no assentamento Olga Benário, também em Santa Tereza do Oeste (PR). Apesar da desocupação, os camponeses continuaram reivindicando que o local fosse transformado num Centro de Ensino e Pesquisa em Agroecologia e para que a empresa pague a multa de R$ 1 milhão, aplicada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por não possuir licenças ambientais para realizar experimentos com transgênicos dentro da zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu. Os camponeses também denunciam que a Syngenta destruiu o bosque, com cerca de 3.000 mil mudas de árvores nativas, plantada para recuperar a biodiversidade no local.
As milícias armadas
A milícia atacou o acampamento para assassinar lideranças e recuperar as armas da empresa NF Segurança, que haviam sido apreendidas pelos trabalhadores, afirmam as entidades. Segundo as organizações, a Syngenta teria utilizado serviços de milícia armada, através da empresa de NF Segurança, em conjunto com a Sociedade Rural da Região Oeste (SRO) e o Movimento dos Produtores Rurais (MPR), criado em abril de 2007 com a finalidade de financiar milícias privadas e promover ações de desocupação de áreas ocupadas pelo MST. A denúncia da atuação de milícias armadas na região Oeste do Paraná foi apresentada em audiência pública, a 18 de outubro, para a coordenação da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), em Curitiba (PR). Os dirigentes do MST, inclusive Keno, já vinham sendo ameaçados há mais de seis meses, pelas milícias que estavam a serviço do consórcio SRO/MPR/Syngenta. Inquérito havia sido aberto para apurar as denúncias contra a Syngenta e a NF Segurança. O MST vem divulgando o texto ?Histórico da violência das milícias privadas na região oeste do Paraná?, onde relata as denúncias das organizações de direitos humanos sobre os principais fatos a partir de novembro de 2006.
Denúncias às autoridades
No dia 22 de outubro, a juíza Jaqueline Alllevi, de Cascavel, PR, determinou a abertura de inquérito pela Delegacia de Polícia de Santa Tereza do Oeste, para investigação de porte ilegal e disparo de arma de fogo, pelo grupo de seguranças contratado pela transnacional Syngenta Seeds. A abertura do inquérito foi solicitada pelo Ministério Público durante audiência para apurar as ameaças feitas pelo grupo armado às famílias que moram no assentamento Olga Benário, que faz divisa com a área da empresa. Freqüentemente seguranças contratados pela multinacional ameaçam as famílias assentadas no local e, a 20 de julho, invadiram lotes de assentados, efetuando disparos e ameaçando mulheres e crianças. As famílias registraram Boletim de Ocorrência na delegacia do município. Diante das ameaças, a Via Campesina enviou denúncia à Polícia Federal, Ouvidoria Agrária Nacional e Estadual, à Secretaria de Segurança Pública do Paraná, Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Seccional da OAB do Paraná. Os camponeses exigem providências para garantir a segurança das famílias que vivem no assentamento Olga Benário, e dos demais trabalhadores rurais sem terra da região de Cascavel, que constantemente vêm sofrendo ameaças da SRO; investigação para apurar a contratação de milícias privadas na região; apuração na relação entre a multinacional Syngenta e a SRO, na contratação de milícias privadas; investigação das armas utilizadas pelos pistoleiros para intimidar os trabalhadores rurais assentados na área ao lado da estação experimental da empresa; proteção das vidas dos dirigentes Celso Ribeiro Barbosa e Célia Aparecida Lourenço, e de todos os trabalhadores da Via Campesina, na região. A organização ?Terra de Direitos?, em setembro de 2007, apresentou denúncia contra a empresa de segurança NF à Polícia Federal que, em operação na sede da mesma, prendeu uma das diretoras, além de apreender as armas e munições ilegalmente utilizadas, sendo instaurado inquérito policial 383/07.
Investigações
Desde o início das investigações, a Via Campesina vem colaborando com o trabalho do Centro de Operações Policiais Especiais (COPE), para que seja esclarecido o ataque da milícia armada. Os camponeses vítimas do ataque participaram nas perícias realizadas pela polícia e da reconstituição docrime feito pelo Cope. No entanto, mesmo intimados oficialmente, os seguranças da empresa NF se recusaram a participar da reconstituição do crime, prejudicando o processo criminal. Até o momento não há nenhum tipo de cooperação por parte da empresa NF Segurança nas investigações. A empresa NF também não apresentou as armas usadas.
Nota das organizações sociais e parlamentares
Nota das entidades do movimento social e sindical e de parlamentares sobre os acontecimentos, acentua: ?O movimento social do Paraná responsabiliza a multinacional Syngenta, a Sociedade Rural da Região Oeste (SRO) e o Movimento dos Produtores Rurais (MPR) da região pela execução Valmir Mota e pelo terror que vem espalhando na região contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais. Essas organizações têm responsáveis com nome, sobrenome e endereço. Esperamos, confiamos, e exigimos que se faça justiça. É chegada a hora de dar um basta a truculência das oligarquias rurais do Estado do Paraná que se armam e organizam milícias privadas para aterrorizar o movimento social?. A nota ainda denuncia: ?Três dias antes do assassinato do militante da Via Campesina, várias de nossas organizações participaram de uma Audiência Pública junto a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (CDHM). Na oportunidade se denunciou que o latifúndio e o agronegócio estavam contratando seguranças e organizando milícias privadas para promover o despejo dos militantes que ocupam a áreas improdutivas do Paraná. A morte de Valmir Mota estava anunciada. O presidente da Sociedade Rural do Oeste, Alessandro Meneghel, reiteradas vezes declarou à imprensa e publicamente que os próprios ruralistas iriam retirar os sem-terra das propriedades. O movimento social paranaense exige a imediata prisão do presidente da Sociedade Rural por julgar que o mesmo representa uma ameaça à integridade física dos trabalhadores e trabalhadoras organizados no MST, na Via Campesina e em outros movimentos. Registramos ainda que a ocupação da área de testes da Syngenta – realizada em março de 2006 – foi motivada por denúncia do Ibama. Constatou-se na época que os experimentos com plantação de milho e soja transgênicos não respeitavam a distância mínima de 10 km da chamada Zona de Amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu – um dos últimos redutos da biodiversidade na América do Sul. A ocupação tornou os crimes ambientais da transnacional conhecidos em todo o mundo. Não bastasse a Syngenta associar o seu nome a crimes ambientais no Estado, associa agora o seu nome de forma definitiva ao sangue derramado de um trabalhador rural. Houvesse um mínimo de respeito à sociedade brasileira, a Syngenta retirar-se-ia do território nacional?.
E a nota conclui: ?Os movimentos sociais do Paraná pedem uma apuração independente, rigorosa e transparente. Exigimos ainda exemplar punição aos mandantes -Syngenta, Sociedade Rural da Região Oeste (SRO) e o Movimento dos Produtores Rurais (MPR) da região – pela violência injustificável perpetrada contra os trabalhadores e as trabalhadoras rurais e a proteção dos demais trabalhadores e trabalhadoras ameaçados pelo latifúndio e o agronegócio na região. Justiça e o fim da impunidade é o mínimo que a sociedade paranaense aguarda?.
Nota da CPT
No dia 22 de outubro, a Comissão Pastoral da Terra fez o seguinte pronunciamento sobre os fatos: ?O episódio da área da Syngenta Seeds explicita o fato de que milícias privadas são formadas e vêm atuando impunemente no Paraná há muito tempo, malgrado as denúncias de várias entidades de defesa dos direitos humanos. Grupos de pistoleiros, não raras vezes formados por ex-policiais e jagunços, têm espalhado violência, terror e morte no Paraná nos últimos anos. Esses grupos são organizados e mantidos pelos fazendeiros que, publicamente declaram a intenção de organização de serviços privados de segurança para realizar as reintegrações de posse e evitar ocupações de terras no Estado. A omissão do Governo do Paraná e do poder judiciário faz com que essas milícias paramilitares ajam impunemente e coloquem o Estado no ranking dos mais violentos do país, dado o aumento constante do número de famílias violentadas, ameaçadas e intimidadas pelos grupos armados a serviço do latifúndio. Em 2006, foram 764 famílias, um aumento 23,22% se comparado com as 620 famílias em 2005, e de 48,92% na comparação com 2004. Estes dados fazem do Paraná o terceiro Estado quanto ao número de famílias vítimas das ações das milícias armadas. A CPT, ao tempo em que lamenta mais mortes por conflitos no campo no Paraná, cobra agilidade do poder judiciário na punição dos responsáveis e, sobretudo, exige do governo do Estado uma ação imediata e enérgica com o fim de coibir a formação e atuação dessas milícias privadas que há anos vêm espalhando terror e violência no Paraná. A terra da Syngenta Seeds é patrimônio do povo do Paraná e não pode ser profanada por cultivos experimentais que colocam em risco a vida das pessoas e do meio-ambiente e muito menos pela violência do latifúndio. Que as autoridades passem do discurso prolixo à prática efetiva e tomem medidas eficazes de combate à ação organizada e pública de fazendeiros e jagunços armados que passeiam às vistas grossas dos três poderes?.
A empresa
A Syngenta ocupa a terceira posição no ranking do mercado de sementes de alto valor agregado. As vendas de 2006 foram de aproximadamente 8,1 bilhões e emprega cerca de 21 mil pessoas em mais de noventa países. A estação de pesquisa em Santa Teresa do Oeste foi inaugurada em 1986. Em 1996, recebeu permissão de pesquisas de organismos geneticamente modificado com milho e soja para a região sul do Brasil. Em 1998, desenvolveu programa de melhoramento do soja tolerante ao glifosato. Em março de 2006, durante a reunião preparatória da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas, em Curitiba, ocorreu a ocupação da estação pela via Campesina. A multa aplicada pelo Ibama por plantio ilegal de soja e milho em zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu foi suspensa pela Justiça Federal, por existir autorização para tais atividades pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. A matéria relativa a desapropriação continua sob apreciação da Justiça Federal. A empresa alega que possui toda a documentação necessária para as suas atividades naquela estação de experimento. Quanto aos acontecimentos de 21 de outubro, a Syngenta afirma: ?A Syngenta nega com veemência todas as alegações de que a companhia solicitou à empresa terceirizada de vigilância que retomasse a estação ou se envolvesse em confronto armado. A Syngenta mantém uma cláusula em contrato com esta empresa que estabelece que os profissionais terceirizados daquela unidade devem prestar serviços desarmados e que não devem fazer uso da força ou portar armas na proteção e vigia da estação de pesquisa. Esta regra está em concordância com a política global de segurança da Syngenta?( do site da empresa).
Repercussão internacional
Os acontecimentos repercutiram internacionalmente. No fórum da Federação dos Amigos da Terra Internacional, realizado de 6 a 9 de novembro na Swizilandia, foi aprovada nota de solidariedade ao movimento da Via Campesina e encaminhada nota ás autoridades brasileiras para a apuração dos fatos. A Via Campesina da Venezuela realizou ato defronte as embaixadas da Suíça e do Brasil em Caracas, entregando abaixo assinado dos representantes das organizações sociais daquele país, na qual pedem a apuração dos fatos pelas autoridades e a desapropriação da estação de experimento da Syngenta.
Edésio Passos é advogado e ex-deputado federal (PT/PR). edesiopassos@terra.com.br
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